terça-feira, 9 de julho de 2013


O destino, aquele velho idiota que adora bater na minha cara, aprontou de novo. Não satisfeito em me ver relativamente bem, ele distribuiu as mais diversas inquietações dentro de mim e fez com que todas as minhas emoções agonizassem dentro do quartinho escuro dos meus desequilíbrios. Eu, um projeto de homem que não consegue ligar a luz da coragem e enforcar todas as sombras do desespero, simplesmente faço o joguinho que esse velho babaca me condicionou a vida inteira... e com a mais descarada das caras, eu faço o que sei fazer de melhor: eu fujo.
Sou do tipo de homem que adora se iludir. Tenho como passatempo a prática mórbida de passar os dias inteiros contando para mim mesmo histórias que nunca aconteceram. E se por acaso recordo algo verdadeiro, logo eu começo a estrangular o foco narrativo dos fatos e, do meio da recordação em diante, a realidade e o delírio dançam tango ao som de uma valsa e nada do que realmente foi é aquilo que eu conto para a parte de mim que sabe que é enganada e ainda assim faz das mentiras que recebe uma armadura para vestir as suas negações mais bestas.
A aceitação dos absurdos é algo que aprendi na base da força bruta... tenho os meus conceitos espancados pelo chicote feito com as palavras vazias dos meus pais. Explosão patológica de uma virtude amputada em um hospital sem paredes. Um monumento erguido para simbolizar o que não pode ser simbolizado... Dentro dos meus gemidos não há sofrimentos físicos, apenas um esforço sonoro repleto de intenções não concretizadas e incompreensões que fazem sair sangue dos cantinhos das minhas unhas... de mentiras vermelhas que possuem rabos de crocodilos doentes e asas quebradas de borboletas e que falam a língua dos anjos.
Meus ânimos vestem uma roupa preta. O riso do destino faz tremer o enorme compartimento de uma vergonha que sempre se renova e banha o meu rosto com tinta vermelha e tóxica. O meu corpo tem cheiro de vertigem... textura de dormências. Um aspecto de carne queimada nas fornalhas dos arrependimentos que não são inflamáveis...
Sento em um canto qualquer na sala. Encosto os meus joelhos em meu peito, abraço as minhas pernas e choro o pranto dos desesperados. Soluço, dou murros nas paredes e encosto a minha cabeça em algo que me machuca. Olho para um infinito que eu sei que transborda fins. Pergunto, sem obter respostas, coisas sem sentido e sem lógica. Faço carícias intimas nos paradoxos que arranham os meus pensamentos.

Fico quieto. Ouço passos nos corredores do prédio. Passos de uma mulher, certamente. Corro até porta apenas para certificar que ela está trancada. Com precisão cirúrgica eu tiro a chave da fechadura e fico olhando pelo olho mágico a movimentação. Respiro como se eu fosse um assassino profissional. O som dos passos se transforma em silêncio. Eu respiro fundo. Vou para a cama e começo a imaginar coisas... A minha imaginação adora criar consolos para aliviar a ausência de aventuras em minha vida. A imaginação ganha formas de uma mulher branca que tem os cílios grandes. Ela está nua e me olha com piedade. Acaricio os seus braços e toco os seus seios. Noto que ela quer rir de mim, pois eu insisto em construir as mesmas imagens, os meus sons, as mesmas situações. Ela me olha com abuso e eu me sinto um sedutor de prostitutas baratas e doentes... sensação que me engana e que ergue uma estátua que chora uma utilidade oleosa.
Ela, sem dizer uma só palavra, se deita, repetindo um ritual já conhecido, e me oferece os seus pés. Sabendo que nada disto é real, eu apenas derramo sobre mim uma garrafa de empolgações vencidas e fecho os meus olhos. Sinto na pele uma magia única. A sensação de passar as mãos em seus pensamentos é como o tesão causado em alguém que morde a ponte de uma estrela.

- No meio dessa cerimônia absurda em que eu afogo os meus bons sensos, lembro das palavras sábias do danado do Byron:


"Agora, vou ser imoral, agora 
Hei de mostrar como as coisas são, 
Não como devem ser - já está na hora. 
Sem saber que é o que é, de fato, não 
Se avança ou progride na melhora 
Daquele arado que mal roça o chão 
Da marga negra estercada com vício 
Só pra manter do preço o benefício.” 

(Fragmentos de Don Juan, Byron)


Jackson Pedro

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