sábado, 12 de novembro de 2011

DOIS POEMAS AURICULARES






A vida amorosa está intimamente ligada com a geografia do desejo. Com o auxilio das mãos e da boca, os amantes vão descobrindo sutilezas um no corpo do outro. Confundindo apetites, tentações e vontades, língua e dentes viajam pela pele. Nada é indecente − melhor se for freqüente.

Enquanto os dedos percorrem a circunscrição do território sagrado, fornecendo forma ao impossível, aquele que está apaixonado jamais pode alegar inocência. Pequenas mordidas introduzem o revolucionário desassossego. O excesso vigora. Ninguém quer controlar o incêndio, a excitação desliza pelo corpo, como se fosse fogo líquido − estimulo constantemente renovado para que as áreas úmidas se multipliquem. Ninguém almeja se afastar do desfalecimento da razão. 

Beijos e arrepios afastam a sensatez. O amor recusa se ocupar com o mundo que o cerca, as zonas de alarme não assustam. Como se estivessem de posse do mapa do tesouro, sem pudor ou medo, ele vasculha saberes e sabores, frutas e frutos, canais e rumos. O enlevo e a ternura estão associados com formas e relevos. 


A alquimia da cobiça logra proezas: os amavios, misturando saliva, naufrágio e delícia, ajudam a soletrar o eu−te−a−mo em todas as conjugações. Uma contradição: a felicidade e o imobilismo fazem par.

O corpo próximo de outro corpo recusa o deslocamento − quer ficar ali o quanto lhe for possível, se movendo ao compasso dessa (an)dança. O que não quer é encerrar (prender, terminar) a vertigem. O que não quer é fatiar o desejo, perder a vontade, interditar o prazer. Devagar, o enamorado sonha com o enlouquecer − na companhia de quem está disposto a acompanhá−lo nesse delírio. Lentamente, vai induzindo fluxo ao júbilo, sem querer entender se essa substância é sólida, líquida ou gasosa. Depois de tudo, com a proximidade do enlanguescer, até a poesia se transforma em prosa. Ou goza. 

As imagens deslizam pelos sentimentos. Como prova de amor, as palavras surgem na ponta da língua: 


Se a tua língua 
linda de longa 
lábia se aninha 
em cada lábio 
lábil da minha 
trompa de Eustáquio 
e langue−lenga, 

a minha língua 
logo se vinga, 
lambe o batom 
sabor de ópio 
das tuas trom
pas de Falópio 
e nelas míngua.

Míngua a língua lábil entre os lábios abertos, hábil e saciada pelo sumo somente possível/passível a quem sente prazer em dar prazer.

Dar voz ao desejo e ao desejante estabelece espaços de conflagração − batalha para que não haja vencedor, combate para saciar todas as ânsias, luta sem fim.

Houve dentro das trompas (Eustáquio, Falópio) o inaudível, cerimônia íntima cheia de pompas, tesa seta a perverter o alvo, nada está a salvo quando a excitação dá as ordens, estabelece relações, transborda segredos na orelha:


Meu lugar preferido
é perto do ouvido
nas dobras da sua orelha
onde minha língua passeia
sem sair do lugar
é lá que enfio bem fundo
o verbo mais imundo
que consigo encontrar.

Entre a língua e a orelha, o discurso amoroso não comporta bom comportamento, abertas as comportas para que a fala subverta a linguagem, o pensamento, os sentidos, impondo sentido ao aparente não ter sentido. A fala enuncia o que ao falo momentaneamente é vedado, a fala substitui a fruição, migrando para o imaginário o que está interdito.

Obsceno teatro, a cena principal não acena ao superficial: tudo é real. O que repercute não ilude. A poesia é encanto, é flertar com o abismo. Um sismo.



P.S: O texto acima ambiciona dialogar com dois poemas. O primeiro foi escrito por Nelson Ascher e está incluído no livro O Sonho da Razão (São Paulo: Editora 34, 1993). O segundo é de autoria de Paula Taitelbaum e pode ser encontrado no livro Porno pop pocket (Porto Alegre: L&PM, 2004).


Postado por Raul Arruda Filho






quarta-feira, 9 de novembro de 2011

T.P.M.




É...MULHER É TUDO IGUAL......
....KKKKK.....

Agora do Tempo!



A culpa não é do tempo.
Não disfarça.
Mas a pressa esquece…
E a vida passa.


Tempo é:

Aroma de incenso.
É pirraça.
É rabisco de fumaça
com o lápis de vento.

Uma pipa de criança
que, vencida,
se faz vitoriosa.
E empina sonho de moleque,
porque fixou residência no espaço.

O som bronzeado do sol.
A cigarra de bunda pra a lua.
Uma silhueta num banho nua.
O abrigo das lãs de um cachecol.

Um doce gole de cana.
Embriagado, rolando na grama.
Na grama melado de lama.
Zombando do homem de aço.

O louco, a pinguça, o cantante.
A sana de aproveitar devagar
cada instante.

A brisa nos ouvidos.
A lerdeza leveza
do crescimento das arvores.
Os causos dos viajantes.

Já: Ágora do tempo.
Abrigo do instante.
Na pressa, um levante,
vamos jorrar vinho na boca do velocímetro.
A graça e a arruaça
das deusas bacantes.

Agora: abrigo da vida.
Templo derradeiro do único tempo.
Indiferente, mas significante, e mesmo signo,
de tudo que dela é constituída.
Do que enfim constitui a vida:
a arte do instante.


Daniel Marinho





Curso Prático para Audição Aplicada da Conversa Alheia





Eu sinceramente ainda, não havia visto ou lido algo, sob este prisma, em relação a palavra "fofoca" de uma forma tão sutil e inovadora.....kkkkkkkkkkk......Caracas, esse Daniel é formidável....amei!!!!




Conversa dos outros? Nenhuma conversa é necessariamente… dos outros. Seus ouvidos têm pálpebras? Então que não venham conversar perto de você!Porque para mim, se me interessar, vou fingir que estou escrevendo, vou fingir que estou lendo, vou fingir que estou cochilando, sei lá, mas vou ouvir…

Distrai que é uma beleza. Especialmente em filas de banco, restaurantes, elevador apertado , metrô demorado, viagens intermináveis de ônibus e quando o sistema do Check In da Aérea caí e você tem de ficar enrolando mais quatro horas até começar a exigir a barrinha de cereal a que tem direito por lei. Mas tudo por interesse antropológico. Claro, você entende.

O problema é que com o tempo você começa a tomar gosto pela coisa. E quando vê cria o hábito. Começa, então, a dar “ouvidadelas” à parolagem alheia – a qualquer tempo e momento – e acha isso bonito.

Daí começa a dar “ouvidos” a um perfil mais exigente e requintado de fofoqueiro, que você não sabia, mas morava adormecido dentro de você. Ele então cresce exponencialmente – na proporção inversa da sua credibilidade – já que essa ‘atividade’ passa a demandar um aprimoramento técnico que não lhe fora ensinado em nosso precário sistema educacional.

Foi pensando em preencher esta lacuna – e emprestar certo afago existencial a essas almas - que desenvolvi a mais completa metodologia extensiva aos pretensos escutadores da vida alheia. Afinal, em meio à pós-modernidade BBB, serão eles os empreendedores cada vez mais requisitados por um mercado de trabalho aquecido, porém carente de profissionais da fofoca qualificados.

Certamente, em um mundo sob jugo da crise do sistema capitalista, como nos prognostica o presente, eles irão assentar as bases da nova ordem mundial, ao oferecerem uma releitura do regime de trocas simbólicas convencional.

Segue, ao nosso aguardado corpo discente, a grade curricular do curso completo, já regulamentado pelo organismo normativo responsável, com as respectivas descrições das disciplinas:


Dissimulação Aplicada I



Sabe quando a conversa alheia interessa, mas você está longe da “cena”? Os mais ansiosos, sobretudo, se complicam nessa hora… Arrumam desculpa para chegar perto e terminam por dar bandeira.
Nessa disciplina o aluno assimilará, por meio de experimentações psicomotoras práticas, técnicas de dissimulação instrumental que dão margem e flexibilidade ao raio de abrangência de seu campo sensorial “curiosístico”. Uma esticadinha de pescoço aqui, uma moeda que cai ‘sem querer’ no chão ali, uma leve inclinação da testa à mesa para encenar uma dor de cabeça e despistar suspeitas, dentre outras técnicas, serão abordadas pelos instrutores ao longo dos semestres.

Acústica Distributiva


Mais difícil do que escutar o bate-papo convencional é você se ver em meio uma conversa com o ‘compadre’ (ou a comadre) e se interessar ainda mais por outra conversa ao lado! Não é simples lidar com a difícil equação da audição distributiva, que nos permite conversar com alguém e ouvir o vizinho ao mesmo tempo! A Acústica Distributiva disciplinará o ouvido do aluno a ouvir em faixas.
Por meio desta técnica, ele poderá distinguir com comprovada eficácia mais de três informações sonoras no mesmo instante, registrando-as em pistas cerebrais diferentes, sem que suas sinapses entrem em curto. A técnica agrega notável melhoria de performance ao auscultador alheio!

História da Vida Privada


Certamente, é do conhecimento de todos a vasta e accessível bibliografia sobre o assunto. Difícil é fugir dele! Bastaria ir a qualquer banca de jornal, ligar a TV ou bater na porta da Dona Gertrude do 302.
O desafio da cadeira em questão é abordar a temática sobre uma perspectiva mais ampla, que propicie aos discentes uma reflexão profícua e a análise conjuntural dos fatos que levam a raça humana a se comportar do jeito que se comporta, por exemplo, numa reunião de condomínio.

Acústica Subaquática


Ouvir a conversa alheia num bar é fácil! E se a prosa em foco for realizada em a uma aula de Hidro? Isso porque o som se propaga cerca de quatro vezes mais rápido na água do que no ar! E como o meio líquido é constituído de maior elasticidade, a compressão e descompressão sonora deturpam a qualidade das ondas. Daí todos falarem dentro d’água com voz de pato.
Esta disciplina propiciará ao aluno, por meio de aulas de laboratório, o domínio da decodificação dos timbres subaquáticos, bem como a percepção de seu campo harmônico.

Direito Amoral


A vida dos outros é problema seu, não é verdade? Por meio da leitura reflexiva dos códigos e leis que regulam o doutrinário do Direito Amoral, o aluno apreenderá a legislação pertinente a seu ofício. Atuará respaldado de conteúdo normativo em face aos processos por invasão de privacidade e do que não lhes diz respeito.

Introdução a Neurofisiopatologia Românica dos Gestos Italianos
O que você faz para auscultar o parlatório da vida coletiva? Abre bem os ouvidos, certo? Pois, saiba que se quem tem boca vai a Roma, para quem chegou a Roma de nada adiantam os ouvidos, ragazzo maledito!!! Questo italiano non parla con la bocca!!!!!!!!! Italiano parla con “la mão”!!!!!. Capiche? Ragazzo dannato!!!

A cadeira “Introdução a Neurofisiopatologia Românica dos Gestos Italianos” irá iniciar o aluno na pantomímica e, por assim dizer, expansiva língua italiana. Uma vez que o curso completo tem por objetivo capacitar o discente a auscultação da vida alheia em qualquer ocasião, provê-lo-emos das aptidões necessárias à compreensão do gestual românico, seja na Itália ou nos países de comportamento patológico-congênere.

Disciplinas Eletivas Extracurriculares
- Checar suas respectivas descrições na secretaria
(falar com Dona Léa, a senhora da vila que passa à tarde na janela)

Antropologia da Curiosidade Funcional
Anatomofisiologia da Fofoca Instrumental
Leitura Labial em Braile à Distância (!)
Estágio Supervisionado (à escolha do aluno)


Daniel Marinho 

TRINTA FRASES DE MARCO AURÉLIO, O IMPERADOR−FILÓSOFO





− A arte da vida se assemelha mais à da luta do que à da dança. Tem de estar sempre alerta e em guarda contra os golpes súbitos e imprevistos.

− Quem é mais hábil na luta, nem sempre é mais devotado ao interesse comum, nem mais modesto, nem mais calmo em face das vicissitudes, nem mais indulgente para os erros do próximo.

− Orgulha−se a aranha de apanhar moscas. Tal homem, de apanhar lebres; tal outro, sardinhas na rede; este, um javali; esse, um urso; aquele, alguns sármatas. Estudados os princípios que os norteiam, não poderiam todos ser qualificados de assassinos?

− Passar todo dia como se fora o último, sem agitação, sem moleza, sem falsidade, nisso consiste a perfeição dos costumes.

− É necessário ser atento às palavras no discurso quanto ser atento aos atos nos empreendimentos. Procurar no discurso, o objetivo; nos empreendimentos, o sentido.

− Este não é o momento de dissertar sobre o que deve ser o homem de bem, mas sim de começar a viver como homem de bem.

− Esquecerás tudo em breve, brevemente todos te esquecerão. 

− Preste o máximo de atenção no que dizem. Pelo pensamento, penetra nos acontecimentos e em suas causas.

− A respeito da dor: intolerável, mata. Duradoura, é suportável. Concentrando−se, o pensamento se conserva sereno, não permitindo contaminar a porção soberana. Se puder, que digam as partes do nosso ser atingidas pela dor.

− O sentido correto destas palavras ainda é impreciso: roubar, semear, comprar, repousar, prever. Há alguns sentidos que não se distinguem com os olhos, e sim com uma visão bem diversa.

− Não tenha para com os inumanos os sentimentos que os homens têm para com os homens.

− Que são Alexandre, César, Pompeu, em face de Diógenes, Heráclito, Sócrates?Eis que estes últimos conheceram as coisas, suas causas, sua natureza, e conservaram sempre livres suas almas. Aqueles, todavia, que coisas souberam prever? A quantas se escravizaram?
O prazer é entendido a seu modo por cada um. O meu é ter a alma sadia, sem aversão por homem algum nem pelas coisas que aos homens acontecem. Ao contrário, vejo−os com olhos serenos, aceitando−as e dando a cada uma o seu devido valor.

− É diferente do movimento da flecha o movimento do espírito. Entretanto, quando, tomadas todas as precauções, o espírito parte para o exame das coisas, o seu percurso não é menos reto rumo ao alvo.

− Todas essas coisas são triviais pela repetição, efêmeras em relação ao tempo, perecíveis por sua matéria. Na época daqueles que enterramos, quanto hoje.

− Sempre vá pelo caminho mais curto. O que segue a natureza é sempre o mais curto. Guia−te, pois pela mais pura razão, no dizer e no fazer. Agindo assim te livrarás de cuidados, de conflitos, e a cálculos e astúcias não terás de recorrer.

− É ridículo que o homem não queira fugir dos próprios vícios, o que seria possível. E tenta fugir dos vícios alheios, o que e impossível.

− No senado ou com qualquer um, fala em tom moderado e sem exagero. Faze tua linguagem revelar raciocínio honesto.

− Os homens desprezam−se mutuamente, e mutuamente se lisonjeiam. Querem suplantar uns aos outros, e se curvam uns perante outros!

− São passageiros tanto o louvor quanto o louvado.

− Uva verde, uva madura, uva passa, tudo é transformação, não para o não−ser, mas para o que ainda não é.

− Da mesma maneira que te apresenta o banho (óleo, suor, sujeira, água viscosa, coisas repugnantes), assim é cada porção da vida e cada objeto.

− Não entenda as coisas como as vê aquele que te ofende, tampouco como ele gostaria que as sentisse, mas assimile−as como são realmente.

− Sobre o mesmo altar, muitos grãos de incenso: este caiu primeiro, aquele depois. Tanto faz.

− Não te conduzas como se fosse durar milhares de anos. Sobre ti paira o inevitável. Enquanto vives e podes, esforça−te para tornar−te homem de bem.

− Nunca se deixe arrastar pelo torvelinho. Em qualquer situação, visar à justiça; em todo pensamento, objetivar a compreensão.

− No repouso que a ti mesmo concedes, sê sóbrio.

− Labora a natureza sempre em favor da utilidade.

− Frente a cada ação alheia, crie o hábito de perguntar a ti mesmo, sempre que possível: "Qual a finalidade?" Mas começa por ti. Examina a ti mesmo.

− Ler, não podes mais. Reprimir o orgulho, entretanto, tu o podes. Colocar−te acima da glória vã tu o podes. Não guardar rancor aos insensíveis e ingratos, antes, lhes ser útil, tu o podes. 


Postado por Raul Arruda Filho


Simplesmente....maravilhoso!
Roberta





Os jovens-ponte.

Sou fã de carteirinha do Eduardo, já tive o imenso privilégio de palestrar no mesmo Fórum de Educação para o Trânsito em Porto Velho/Ro em 2004. Data em que o conheci, a partir dai, virei fãzona dele.
Na minha opinião, ele é excelência em Educação para o Trânsito, me espelho muito nele....

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Os jovens-ponte
By Eduardo Biavati


A faixa etária de 18 a 24 anos é um centro gerador de influência da sociedade global de consumo. Tudo o que transpira desses jovens impacta cada vez mais o conjunto da sociedade – os mais novos aspiram a ser como eles, os mais velhos são por eles inspirados. A juventude tornou-se uma síntese dos tempos de hiperconsumo, uma espécie de estado simbólico insaciável que invadiu a infância e avançou léguas sobre a vida adulta.



A educação para o trânsito deveria dedicar atenção à dinâmica dessa juventude porque concentram-se nesses anos a criação e a disseminação de novas idéias, a experimentação de novos comportamentos, a emergência e a dissolução de estilos de vida. É um período riquíssimo sob muitos aspectos e, também, de riscos máximos de morte e lesões no trânsito.


Ao invés de tratá-la como um caso perdido que um bom “trabalho de base” resolverá um dia, poderíamos começar nos perguntando, por exemplo, quais são os sonhos dos jovens brasileiros hoje. A sondagem de suas representações de futuro – o que eles sonham para suas vidas e o que eles sonham para o Brasil – talvez ajude a repensar como pretendemos engajá-los em condutas de segurança no trânsito e torná-los disseminadores de novos hábitos de saúde.

Os sonhos da primeira geração de brasileiros nascidos em um mundo hiperconectado são a matéria da pesquisa “Sonho Brasileiro”, desenvolvida pela Box1824 – uma agência paulistana especializada no mapeamento de tendências e “consumer insights” de, como o nome diz, jovens de 18 a 24 anos.

Armados de uma metodologia complexa, os pesquisadores da Box foram a campo dar corpo a um perfil de jovem, denominado “transformador”. Esse é um jovem que já está pensando o país, elaborando idéias sobre os papéis que sua geração pode desempenhar no futuro e, mais do que pensando, já atua no presente nas mais diversas organizações não-governamentais, voluntárias ou não, predominantemente religiosas ou ligadas à produção cultural, e às vezes em grupos completamente desinstitucionalizados.

Quem age pelo coletivo se vê como um ator responsável, é otimista porque já vê o resultado concreto de suas ações e deriva seu poder transformador de uma característica principal: ele transita por mais grupos do que a média dos jovens, catalisa idéias e as redistribui, conectando redes e pessoas, gerando um novo tipo de influência que se dá pela transversalidade. Esse jovem “transformador” é uma ponte – a principal descoberta da pesquisa, segundo a Box – ele é o nó de uma rede de formação de novos valores e novas atitudes.

Esse perfil de jovem não é uma hipótese teórica. Ele é um pressuposto fundamental da pesquisa que foi a campo conhecê-lo de perto, ouvi-lo, colocá-lo para debater questões diversas com seus pares. A etnografia desse mergulho (que mistura várias técnicas qualitativas) é o ponto de partida, então, da mensuração quantitativa da influência desses jovens. Seus discursos e práticas transbordam, como uma tendência, para o restante da população jovem?
Sonhos com pés no chão

Essa é uma geração que sonha com formação profissional e emprego, mais do que aspira à casa própria ou à posse de bens. Cursar o ensino superior é um desejo de 79% dos jovens, não apenas porque todos sabem que o mercado de trabalho exige bem mais do que o ensino médio, escolaridade de 2/3 dos jovens pesquisados – é também porque eles buscam um novo sentido para o trabalho que conecte a realização pessoal à profissão dos sonhos.

O sonho individual desses jovens rima trabalho E felicidade: “Aquele curso realmente é promissor, eu acho que tu sais ganhando uma paulada. Ao mesmo tempo, de que adianta? Tu vais estar te prostituindo se tu não estiveres fazendo aquilo que tu gostas?” Os jovens querem uma carreira e buscam dar relevância social ao trabalho por meio da profissão que escolheram e isso redefine, de acordo com a Box, a noção de sucesso dessa geração. Não é um sucesso que se mede pelos ganhos monetários apenas: “Dinheiro é importante, só que a questão é como ganhar, né? É como achar um sentido pra ganhar ele. Todo mundo quer achar um propósito claro: ganho esse dinheiro fazendo uma coisa que eu gosto, que faça no mínimo sentido.“. Para 43% dos jovens não há problema em ganhar muito dinheiro contanto que sua origem seja honesta e para 31% deles o problema não é o dinheiro em si, mas o o mal uso que as pessoas fazem dele.

É dessa plataforma individual que se lançam os sonhos coletivos. A pesquisa agrupa os sonhos de Brasil em duas linhas: sonhos de reparação, que se referem ao resgate de dívidas acumuladas ao longo da história (menos violência, menos injustiça, menos corrupção) e sonhos de realização, que se referem ao acesso igualitário de oportunidades para todos (mais emprego, mais igualdade, mais educação).

Como se pode constatar, os sonhos de Brasil desses jovens não têm nada de simples, muito pelo contrário, mas isso não significa que estejam dispostos a dar a vida por eles. Nada mais fora de moda do que morrer por uma causa e posar de mártir. É um pensar em si mesmo que inclui pensar no bem estar coletivo: 59% dos jovens concordam que têm que pensar EM SI antes de pensar nos outros e 77% deles concordam que seu bem estar individual depende do bem estar da sociedade a que pertencem. No discurso dos jovens, não há, portanto, antagonismo entre sonhos pessoais e de país: todos vão bem SE cada um estiver bem, mas só é possível estar bem SE todos estiverem também.

A realização pessoal dá a medida do tamanho dos sonhos coletivos: “eu tento não ter sonhos inalcançáveis (…)“. O que seriam os sonhos inalcançáveis? As utopias de gerações passadas, aquelas de seus pais, que tinham sonhos “grandes demais, que acabaram nunca acontecendo e gerando frustração”, de acordo com a análise da Box. O pragmatismo dessa geração que sonha o possível consiste em calibrar o desejo de transformação da realidade pela disponibilidade da pequena ação individual.

Nada de revoluções, nada de rupturas radicais – “eu não sonho com nenhuma revolução de parar a cidade”. Esses jovens partilham a crença de que cada um, na medida de suas possibilidades, por meio de pequenas ações, no seu dia-a-dia, pode fazer a diferença: “cada vez eu vejo mais pequenas ações positivas. E quando isso for maior e maior, vai contagiar mais gente. E a partir daí, consequentemente, as outras coisas vão ser melhores, sabe? É nisso que eu acredito.” Essa filosofia de ação política – uma filosofia de “formiguinha”- tem alta concordância entre os jovens pesquisados: para 90% deles a transformação da sociedade acontece aos poucos e 92% concorda que essa transformação é a soma de pequenas ações do dia-a-dia.
Drivers

Para falar de seus sonhos, os jovens expressam um modo de pensar, de agir e de se relacionar no mundo e cada uma dessas expressões guarda um elo com movimentos globais muito mais amplos (chamados de “drivers”). De acordo com a Box, os “drivers” são grandes forças de natureza econômica, política, social e cultural que atuam como motores do pensamento e da ação não apenas dos jovens mas de sociedades. Os “drivers” estão além das consciências dos indivíduos. A pesquisa elege 3 “drivers”: o não-dualismo, as micro-revoluções e a hiperconexão. É uma pena que não seja possível descobrir a referência teórica ou empírica da escolha. De qualquer forma, se os jovens de 18 a 25 anos são “antenas” privilegiadas de um tempo histórico, vale a pena perceber como eles captam o recado dos “drivers”.

Não-dualismo

Ao invés da disputa, a aliança; no lugar do confronto, a continuidade. A cultura do “e” no lugar do “ou” é uma nova maneira de PENSAR o mundo. O não-dualismo remete a um mundo não bipolarizado, a uma mentalidade de integração, à cultura do diálogo. “Bater de frente” não é inteligente, de acordo com os jovens-ponte, que prezam as articulações colaborativas e pacíficas: 81% dos jovens concordam que a união de pessoas que pensam de forma diferente pode transformar a sociedade. “E aí, se for para fazer uma batalha violenta contra sistema, eu prefiro costurar por fora, né? ”

Micro-revoluções

Múltiplas revoluções silenciosas transformam o mundo de forma lenta e gradual definem uma nova maneira de AGIR. Eles acreditam que a transformação da realidade é uma ação de pessoas reais. A política é vista como uma atitude em todo lugar, desde a escolha da bicicleta como meio de transporte ao não uso de sacolas plásticas, e não mais como exclusiva do sistema democrático formal, organizado em torno de partidos: “Eu acho que não acredito em mais ninguém me representando, por isso não me encontro em nenhum partido, por isso me sinto afastada.” O jovem-ponte não se vê na política “de Brasília” e sabe que sua atuação social não depende mais necessariamente de uma institucionalização e de uma filiação ideológica rígidas.

Hiperconexão

O terceiro “driver” dos sonhos desses jovens diz respeito à revolução das comunicações humanas produzida pela internet. Essa é uma revolução digna de um R maiúsculo. Ela é um elemento estruturante dos valores e das crenças dos jovens-ponte. As micro-revoluções cotidianas dependem dessa alavanca que promete voz e ressonância ilimitadas, que rompe barreiras físicas, que amplifica pequenas ações. A hiperconexão é uma condição da desinstitucionalização desse jovens e de sua liberdade de engajamento em múltiplos projetos e grupos de ação temporários. Ela é o veículo, também, de novos vínculos colaborativos – “a gente se junta“, mais horizontais, menos hierárquicos e mais abrangentes. A hiperconexão estabelece o primado do tempo presente, a vivência do processo ao invés de uma finalidade futura.


O estudo da Box1824 não esconde a euforia com descoberta de que os “jovens-ponte” irradiam sua influência para grupos mais amplos de jovens. As afinidades de idéias, as concordâncias de opiniões, a convergência dos sonhos individuais, as projeções comuns de futuro para o país, tudo parece indicar que os modos de pensar, de agir e de se relacionar dos “jovens-ponte” representam uma tendência que vem marcando uma geração.

Nada poderia ser mais antagônico a essa tendência, porém, do que o discurso dominante da segurança e da educação no trânsito no Brasil. O discurso da segurança pronuncia mandamentos: “use o cinto de segurança”, “obedeça o limite de velocidade”, “use o capacete”, “não dirija depois de beber”. É sempre um discurso que se impõe verticalmente, de cima para baixo. Não está dada a possibilidade de problematização, mas, então, também está eliminada a possibilidade de comunicação com essa geração de jovens que busca o diálogo, que rejeita hierarquias, que reivindica relações mais horizontais.

É claro que podemos pensar que não há nada a ser discutido: os comportamentos exigidos são perfeitamente legítimos porque derivam de uma norma coletiva. Esse bando de marmanjos tem mais é que obedecer, ponto. A transgressão sistemática e generalizada da norma indica, porém, que é bem baixa a percepção de sua legitimidade: “não, não vou soprar bafômetro“, ouvimos novamente de dois jovens causadores da morte de dois outros nas noites de São Paulo.

A questão é que impor a repressão necessária para tanta obediência demanda recursos que serão sempre insuficientes – esse é um limite evidente, por exemplo, das operações de fiscalização do beber e dirigir que vem se reproduzindo em vários Estados, a partir da excelente experiência carioca. Não seria melhor contar com a participação dos jovens e a mobilização de seu poder de conexão para sustentar uma cultura de segurança a longo prazo?

Estamos prontos para lançar pontes para esses jovens?

© Eduardo Biavati e biavati.wordpress.com, 2008/2011. - 






Concordo com a Letícia, se querem fumar maconha, que fumem no quintal da casa deles, não dentro da faculdade!!!!!! Estão lá para estudar ou é impressão minha?




O Conto da Vigária...



Creio que, foi a crônica mais engraçada e criativa que eu já li nos últimos tempos.....
Parabéns Daniel Marinho, ameiiiiiiiiiiiiiiiiiii.......



Há quem diga que vingança é um prato que se come frio. Mas é que às vezes a oportunidade bate a porta e aí é pegar ou largar, só dá tempo de uma assoprada; come-se morno mesmo.

Foi assim com a Marcela numa dessas festas caretas de boatezinha da moda na Barra da Tijuca. Aquele tipo de boate que se você chegar de tênis ou barba por fazer é capaz de te darem voz de prisão!

- E aí gaaaaata, eu não te conheço de algum lugar, princêêêsa? (sussurrou ele, fazendo cara de Wando)

Luis Alfredo; notadamente um mala. Uma valise sem alça e assunto, expondo a chave do Audi por fora da calça jeans da Diesel e os braços apertados por uma daquelas camisetas do tipo mamãe-sou-forte (da… Diesel, digamos).

Mauriçoca até o último fio de cabelo bem penteado, que por ter nascido com tudo o que quis – e o que não quis -, cresceu com a certeza de que o mundo só estava lhe aguardando para recomeçar a girar. Ainda assim, dado seus prin$ípios, estava acostumado a sempre, sempre mesmo, faturar na noite com as garotas dos condomínios do bairro emergente.

Àquelas horas, porém, com a casa quase por fechar, Marcela – gata paulistana escaldada das ‘baladas’ cosmopolitas (de Ibiza à Istanbul, de onde inclusive acabara de chegar de mais uma turnê da sua Cia de Dança Contemporânea) – fez que não ouviu. Nunca o tinha visto na vida; nada lhe interessara dentro daquele invólucro. Era fazer-se de sonsa, virar o rosto, dar de ouvidos. Nada que qualquer mulher com seus atributos não tenha de fazer quase todo dia.

Mas “chato” para Luis Alfredo era um eufemismo… O garotão insistia com olhares, bocas e poses de Julio Iglesias a cada desdém da morena de longos cabelos lisos e tatuagem no pescoço. Afinal, não era possível! E o Audi?

Quando Luis Alfredo começou a recitar, em voz alta, versos do Roupa Nova, Marcela – já contendo a taça de Pina Colada que teimava em atirar-se involuntariamente de sua mão rumo à face do rapaz – resolveu ponderar. Ao andar da carruagem, quase aliás já virando abóbora, resolveu pagar para ver. Pagar para ver e assistir de camarote. Quem diz o que quer…


- Claro! Eu me lembro de você! Nossa você é o…
– Luis Alfredo!
– Luis Alfredo! Claro!
– Você lembra?

Luis Alfredo estava surpreso.

– Claro! Lá da…da… Escola, não?
– Você também estudou no Sacre Couer de Marie?

Aí vem bomba… Pensou, Marcela.

- Sacre Couer, claro! Aí que saudades das freiras… (mal podia acredita no que estava dizendo)
- Ah! Suspeitei desde o princípio!

Emendou Luis Alfredo, crente que só ele, ao balançar os braços para simular o herói de anteninhas daquele programa que provavelmente o inspirara como projeto de vida e conhecimento.

- Mas então… Você não mudou nada, hein, Pintinho? Ainda continua com aqueles tiques estranhos?
- Tiques? Pintinho?
– É! Aliás, você ainda lembra daquele gordinho metido a besta da turma (toda escola tem um gordinho metido a besta). E do João (esse aí, então…), lembra dele?
– É… Lembro. Mas você…
– Ana ! (Sempre haverá uma Ana). Meu nome é Ana! Lembrou?
– Da 6ª F?
– Isso! A que pegava o ônibus com aquela garota que você dava em cima? Como é mesmo o nome dela? Era a..
– Fernanda!?
– A Fernandinha! Quanto tempo eu não vejo a Nanda…
– Coincidência em Ana!

Luis Alfredo estava preocupado.

- Nossa! Olha, nem te conto! Ela fazia a tua caveira viu! Aliás dava dó… Você de quatro, rastejando daquele jeito e todas as meninas da sala te sacaneando! Você também sempre foi meio esquisito, vai confessa…
– Como assim? Tá gozando com a minha cara?
– Eu sei, não era fácil, não é? Ninguém queria nem ser visto contigo, Pintinho…
– Mas…
– Olha eu não zoava, não! Ficava com pena, mesmo… Era horrível o que falavam por trás de você! E era muito injusto, porque você não ficava sabendo… Mas agora os tempos são outros, Pintinho!
– Perá lá! Que negócio é esse de Pintinho?
– Sei lá os meninos que te chamavam assim. Pediam para não te dizer nada. Gente… Você nunca soube né? Tadinho… Aliás, é mesmo! Por que será que te chamavam de Pintinho, Luis Alfredo?
– Mas eu não tenho… Eu não sou Pintinho!!!!
– Gente, até a professora de matemática pedia para eu te evitar. Essa gente não tem sentimento!
– Quem?
– Não lembra da professora carrasco da sexta-série?
– A Professora Vânia????
– Aham! Ela mesma!
– Mas como assim, me evitar?
– Olha, eu nem levava a sério, Pintinho. Mas é que…
-Para de me chamar assim!
– Achava meio escárnio das meninas. Além do que aquele fedor todo era gazes. Todo mundo tem…
– Fedor?
- É! Por que você acha que nenhuma menina queria ficar contigo?
- Mas ficavam sim!
- Ficava nada, Pintinho!
- LUIS!!
- Tá , Luis… Então, lembra a festa surpresa da Carolzinha?
- Não.
- Das festas do pijama na casa de Búzios do pai da Luana?
-Não!
- E das festas da lingerie na casa da Kelly?
- Não…
- E quando agente fingia que ia fazer trabalho de grupo na biblioteca e se escondia lá no vestiário do ginásio para brincar de salada mista? Todo mundo chapadão… Todo mundo muito louco!!!
- NÃÃÃÃÃO!!!
- Pois é!
- Pois é o que?
- Ninguém te convidava, Pintinho!
- LUÍÍÍÍSSSS!!!
- Desculpa! Aí… Coitado! Nunca soube de nada…

Sua euforia minguara. Luis não podia acreditar. Era duro demais para o velho pegador do Audi Conversível Vermelho. Até a professora Vânia?! Nem o Marcelão-quebra-queixo lhe contara nada! Como seria de agora em diante? Destinado a lidar para sempre com às agruras do passado? E ainda que tudo estivesse mal explicado, Pintinho (perdão, Luis!) estava, de fato, desolado…

- Mas eu nunca soube de nada, Ana! Nunca ninguém me contou! Por quê? Por quê, meu Deus??
– É Pintinho… Vou te dizer uma coisa: o que é o ser humano…

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Daniel Marinho - 
http://curtacronicas.wordpress.com/2011/11/09/o-audi-do-pintinho/



terça-feira, 8 de novembro de 2011









"O espírito de libélula é a essência dos ventos de mudança, as mensagens de sabedoria e esclarecimento a comunicação do mundo elementar. Seu medicamento para os seus hábitos que precisam mudar você pode mutar-se em libélula para se guiar pelas névoas da ilusão para uma transformação positiva."










Sem palavras!!!!!

Junto há 72 anos, casal americano morre de mãos dadas




Um casal do Estado de Iowa, nos Estados Unidos, que viveu junto durante 72 anos, morreu de mãos dadas em um hospital na semana passada, com um intervalo de apenas uma hora. Norma Stock, 90 anos, e Gordon Yeager, 94, casaram-se em 1939 e tiveram quatro filhos.

Na última quarta-feira, quando iam ao centro da cidade de Des Moines, eles sofreram um acidente de carro. No hospital, foram levados para a unidade de terapia intensiva e os enfermeiros entenderam que não podiam separá-los. "Eles foram colocados no mesmo quarto e ficaram de mãos dadas", disse Dennis Yeager, filho do casal.

Gordon morreu segurando a mão de sua mulher e rodeado por seus familiares. "Foi estranho, eles estavam de mãos dadas e meu pai parou de respirar, mas eu não consegui perceber o que estava acontecendo porque o monitor do coração continuava funcionando", disse Dennis. Uma hora depois, Norma também se foi. "Nenhum deles sobreviveria sem o outro", disse Donna Sheets, outra filha do casal.

No funeral, Norma e Gordon continuaram de mãos dadas. Segundo a família, o casal seria cremado e suas cinzas seriam misturadas. “Eles eram um casal à moda antiga. Acreditavam na frase ‘até que a morte os separe’”, resumiu o filho Dennis.





"Um homem de verdade não vai se importar com o tamanho do seu sutiã, com a grossura das tuas coxas, se você tem bunda grande, e nenhum sinal de barriga. Um homem de verdade vai reparar no teu sorriso,no modo como você coloca o cabelo para trás da orelha quando está nervosa, na tua risada, no modo em que seus lábios se movem enquanto você fala, no teu jeito histérico ao ver um filme de terror, no teu jeito estranho de correr, nas tuas manias, nos teus gestos exagerados e na forma como você pronuncia o nome dele. Um homem de verdade vai te amar pelo teu conteúdo, e não pela embalagem...."






VÊS! NINGUÉM ASSISTIU AO FORMIDÁVEL ENTERRO DE TUA ÚLTIMA QUIMERA






1. Embora a certidão de óbito ainda não esteja disponível para download na Internet, circulam (on-line and off-line) boatos sobre a morte da poesia. Chamadas para investigar o caso, as autoridades (in)competentes (alegando necessidade profissional de perder tempo com outras tarefas) tornaram público, em nota oficial, que não farão declarações sobre o assunto. O mesmo procedimento administrativo foi adotado pelo Instituto de Medicina Legal: o cadáver ainda não foi encontrado, não é possível atestar a causa mortis.

Independente dos irresponsáveis por essa espetacular mentira, também chamada nas mesas de bares, restaurantes e similares de “a” verdade, a tragédia anunciada se cumpriu, basta abrir os olhos e ver: a poesia foi comer capim pela raiz. Artigos em jornais e revistas jamais alterarão a triste realidade – também não impedirão oportunistas de decretar luto oficial por três dias ou um minuto de silêncio antes do início de jogos de futebol. Órfãos e carpideiras, munidos de coragem, poemas e solidariedade, pronunciarão épicos discursos em saraus emotivos, sabedores de que a poesia cumpriu com a sua missão na Terra – não adianta choro nem vela, a poesia bateu com as botas.

Não é brincadeira: a poesia está versejando em outras paragens, em outras pastagens. Com o rosto oscilando entre a sisudez e a gargalhada, em razão do mundo litero-alcoólico em que habitamos estar repleto de burros e capim, não é possível deixar de constata o óbvio, o inequívoco, o reles e o comum: a poesia se transformou em banquete dos vermes.

Inutensílios a ocupar o espaço do home teather, todos os livros de poesia estão sendo despejados das estantes e, hoje ou amanhã, compartilharão a vala comum com as novas bugigangas tecnológicas (e-book, Kindle, Sony Reader – além de milhares de gadget similares, destinadas a distraírem as “crianças”).

Vendidos como papel para reciclagem, Estrela da vida inteira e Claro enigma terão o mesmo destino dos escritos de João Cabral de Melo Neto, Francisco Alvim e Gonçalves Dias. Quase nos fundos da sala, abandonado sobre uma mesa, um exemplar de Poesia Reunida, de Orides Fontela, aguarda que o destino se cumpra.


2. Nessa área pastosa que os teóricos chamam de a-pós-o-moderno, quem é o leitor de poesia? Eu não sou! Faz séculos que não compro poesia. De vez em quando me pego folheando velhas antologias, livros maltratados pelo tempo e pelas minhas mãos. No embalo lírico, vou lembrando oportunidades tolas em que tentei dentro da tua orelha fria / dizer segredos / de liqüidificador, Vinícius de Moraes era tiro-e-queda quando se estava de olho em alguma namorada em potencial. Mais tarde, com as mesmas más intenções, o caminho das pedras era decorar Adélia Prado e, entre um gole de vinho (sim, o padrão das alucinações também tinha melhorado) e o declamar de verso “na medida”, o mundo parecia ser um imenso parque de diversões. Hoje, salvo as raras exceções que confirmam a regra, não compro nem mesmo aqueles livros artesanais, sínteses do encontro da necessidade com a beleza, vendidos de mão em mão, em mesas de botecos, no meio das ruas, o autor, travestido em cidadão de segunda (ou terceira) classe que não se alimenta a uma semana, e, sem jeito, implora por ajuda ou por prato de comida.


Meu amor, minha flor, minha menina / solidão não se cura com aspirina e você também não lê poesia! Não tente me enganar. Gosto disso não. Os versos vibram ao alcance do ouvido, no te olvides, basta prestar atenção, o ar entrando nos pulmões com suavidade, Tudo é uma questão de manter / A mente quieta / A espinha ereta / E o coração tranqüilo, dizia aquela velha canção que tocava no rádio, confundindo música e poesia, embora todo (o) mundo soubesse que Chico Buarque e Caetano Veloso eram de outra galáxia.

O olhar passeando pela estante, descobrindo a distância intelectual entre o conhecimento e os livros que não estão lá, recupera a frase-desculpa das livrarias: “não vende”, diz o funcionário. No trânsito, ninguém se importa em atropelar versos de pé quebrado. Nos corredores dos shoppings centers nunca encontrei um pentâmetro elegíaco. Na manicura, longas conversas sobre o último capitulo da novela e nenhuma epicédio. Será que, em nova imagem do corpo em decomposição, a poesia se opõe ao “mercado”?

Se não for muito complicado, gostaria de saber quem está consumindo (a, com a) poesia? Para quem escrevem os poetas?


3. Não importa a opinião dos politicamente corretos (que, na falta de uma ação mais efetiva, tentam colocar culpa nos amantes dos livros de papel, enquanto fazendeiros, garimpeiros e especuladores derrubam e queimam milhares de hectares de florestas), a poesia perde parte da graça na tela do computador. Falta a possibilidade do contato táctil, olfativo e visual: abismos que abrigam a morte do pensamento, transformando a emoção em letras fosforescentes e mortas.

Outro dia, recebi mensagem eletrônica com parte dos versos praticados pelo Fabrício Carpinejar. Não me empolguei, me pareceu coisa de quem (naquela hora neutra da madrugada em que todos os segredos são revelados) gostaria de ficar rico escrevendo livros de auto-ajuda. Gosto do Antonio Cícero e do Fabrício Corsaletti – apesar de acreditar que ele escreve prosa melhor do que poesia (recomendo Golpe de ar). Gosto de um ou outro contemporâneo, mas tenho vontade de rasgar (ou, em bom português, deletar) todos aquelas bobagens sentimentais ou herméticas que os sem imaginação costumam chamar de poesia.



4. Morta, a poesia não possui futuro. Aliás, nem no presente a poesia está presente. Somente o passado retém algumas informações sobre o poetar, esse verbo sem substância, sem sentido ou direção, um passo para a emoção, não importa se rimar tesão e coração for prova de falta de criatividade ou de inventividade. A poesia não tem utilidade – se tivesse, ah, se tivesse, estaria sendo vendida nas gôndolas dos supermercados, logo ali, ao lado da farinha, da massa de tomate, dos eletrodomésticos.

Cheio de nostalgia, lembro de outros tempos, a poesia não era preservada de participar da vida cotidiana, do meu, do teu, do nosso mal-estar/bem-estar. Era um altar onde todos se ajoelhavam e rezavam, os mistérios mais gozozos eram cultivados no jardim das delícias, frutos e frutas sumarentos, água na boca, o pecado ao alcance de um verso, sempre é mais gostoso quando desafiamos deus ou o perigo.


5. Vês! Ninguém assistiu ao formidável / enterro de tua última quimera, afirma, envolta em chamas, a fênix, prevendo, de uma maneira muito pessoal, que – contra tudo, contra todos – a poesia ainda é ponto/ponta de resistência, forma pouco espessa/expressa de dizer não ou sim ou talvez ou manifestar sentimentos ou revelar a nudez do rei ou inventar amores, dores e lesões, suspiro diante do inefável ou, entre o sossego e a ansiedade, perguntar:Posso comparar-te a um dia de verão? (Shall I compare thee to a summer’s day?, Shakespeare, soneto XVIII). De alguma maneira, no lento escoar dos sons fracos e francos da (des)humanidade, com o mesmo de entusiasmo de Ana Cristina Cesar declarando que estou bonita que é um desperdício, chegará um alento, bandeira a ser hasteada no céu límpido: Assim eu quereria o meu último poema // Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais.



Postado por Raul Arruda Filho - 
http://raulealiteratura.blogspot.com/



CRÔNICAS: A VIDA COMO ELA É (OU FINGE SER)








O Brasil é o país das crônicas – e dos cronistas. Em cada esquina (ou jornal ou revista), alguém está de plantão, pronto para colher, na fonte, as boas (e más) histórias que integram o cotidiano. Nesse caminhar trôpego, ligeiramente embriagadíssimo, como repetia mestre Nereu Goss, alguns críticos dizem que a crônica é uma espécie de comentário datado sobre algum acontecimento – e que, se não fosse pelo registro fatual, acabaria desaparecendo na seqüência de eventos “maiores” que constituem a vida urbana.

Como nunca foi considerada “a” musa da literatura brasileira, muito antes pelo contrário, não falta quem a classifique como um gênero “menor”, quer dizer, sejamos francos, texto de segunda classe, desses bem vagabundos, que qualquer um (qualquer um!) pode escrever para ganhar uns trocados.

A turma “do contra” costuma usar uma fórmula divertida: dizem que se trata de uma forma híbrida (e o uso da palavra “híbrida” sempre está envolto no papel celofane do desprezo) de literatura e jornalismo, e que só existe para preencher aquele espaço que não foi utilizado com a notícia. Trocando em miúdos, um calhau, cujo futuro é o embrulhar o peixe (ou coisa pior) no dia seguinte à sua publicação.

São os teus olhos, rebatem os cronistas, toda vez que recebem uma crítica negativa, uma patada amorosa, recalques de quem não sabe (ou não quer) dizer “eu te amo”. Tia Zulmira (que talvez seja uma ilusttre desconhecida da modernidade) explica, complica, simplifica, amplifica. Ou deixa pra lá, porque as amargas, não, como dizia um velho cronista, Álvaro Moreyra, escritor que (como poderia ser diferente?) também foi engolido pela indiferença pós-internet, inclusive porque jamais participou de “reality show” ou gozou (!!!) de merecidos 15 minutos de fama na Rede Globo.

De qualquer maneira, a crônica consegue ser refratária à sua mais completa tradução. E isso é um desafio significativo para o mundo acadêmico. Basta lembrar que, nessa seara, alguns teóricos não economizaram papel e tinta de impressão para impressionar a distinta massa pública com as certezas do mundo. Esforço em vão, diga-se de passagem, pois o santo Graal – ainda – continua desaparecido. Por isso, entre lamentos e sorrisos colgate (modelo gato de Cheshire), algumas otoridades, não podendo eludir o deserto das indefinições, acabaram iludindo a si mesmas com esse docinho bem doce chamadoembromeichom. Para quem gosta de viver no mundo da lua, existem (acumulando pó e desprezo) vários estudos refinadíssimos, trezentas notas de rodapé, bibliografias quilométricas, biscoitos finos, sabor quase (quase!) idêntico ao daqueles amanteigados dinamarqueses. Todos concluem em agradável surpresa: tudo continua como dantes, no quartel de Abrantes.

De qualquer forma, alguma coisa se salvou: os comentários sobre a linguagem que a crônica utiliza para se comunicar com o leitor. Transitando entre o relato coloquial e a prosa poética, a crônica permite aventuras estilísticas que abrangem desde a compreensão do mundo através do particular até o escracho monumental. De fato, a crônica é aquele texto onde você pode soltar expressões como iabadabadu, aiou Silver, o caralho a quatro ou fala, amendoeira no meio da frase e ninguém vai reclamar do conteúdo – ao contrário, são essas situações humanas, demasiadamente humanas, que possibilitam ao leitor o reencontro com a ilusão, momento em que é possível acreditar que toda a sabedoria do mundo estava contida nas sagradas páginas do Almanaque Sadol (ou Biotônico Fontoura ou Capivarol). Vai dizer que você não se lembra disso? Ou daquele lampejo típico de cena literária ligeiramente mais sofisticada em que o cara molhava o biscoito no chazinho tépido e entrava em transe para escrever umas 3.000 páginas?

Noves fora zero, o aspecto secundário da contradição principal (como lembrava, didaticamente, o camarada Mao Tse Tung) está na constatação de que a crônica, com exceção de alguns clássicos (Rubem Braga, Stanislau Ponte Preta, Fernando Sabino e Luis Fernando Veríssimo), jamais foi convidada para tomar assento no panteão das letras. Nos jornais, tudo bem. Nas últimas páginas das revistas, nenhum problema. No entanto, como ensina a regra civilizatória que divide a idolatrada salve salve em casa grande e senzala, é preciso saber o seu lugar. Inclusive para evitar que a direitinha raivosa reavive as chamas que alimentam a luta de classes ou obstrua o próximo aumento do salário mínimo.

Como a crônica nunca invadiu o latifúndio alheio, tampouco compactuou com o lobo mau (que, ao amanhecer, os caninos sujos de sangue, atende pelo nome de Diogo Mainardi), uma das delícias para quem gosta de se espichar no mundo, é ler boas histórias – inclusive como uma forma de combater a cara feia daqueles que desconhecem a sabedoria proposta por algum texto bonitinho, lido na manhã de domingo, entre o café ruim e o bocejo desajeitado.

Que tal começar com alguma crônica do Fernando Sabino? Não é preciso escolher, qualquer um dos seus livros está repleto de quero mais, o cara sabia das coisas e escrevia como se estivesse conversando com o leitor, aquela mistura de sabedoria e bom humor que só os gênios conseguem reunir.

Ou Aldir Blanc e Ivan Lessa? Aldir Blanc, náufrago de boleros e sambas-canções (Eu hoje me embriagando / de uísque com guaraná / ouvi tua voz murmurando: / são dois pra lá, dois pra cá), fez questão de colocar na lâmina do microscópio social a verdadeira tragédia suburbana: churrasco no quintal, cerveja gelada, palavrões e a sadia sacanagem com a vítima que estiver de plantão. E, óbvio, um imenso foda-se para o politicamente correto! Ivan Lessa é um pouco diferente: com um texto mais aristocrático, nunca negou as raízes de quem nasceu em berço de ouro e leu tudo antes dos vinte anos – agora, olhando as ruínas, cospe sabedoria nos menos aquinhoados. Pois é, com esses dois sujeitos todo cuidado é pouco, toda palavra é armadilha, Você conhece o Lochas? Aquele que...

Ou Antonio Maria e Stanislau Ponte Preta? Nos textos dessa distinta dupla, as dores de corno são passageiras habituais do bonde que leva os cafundós do Judas até o lugar onde o diabo perdeu as botas. Nesse cenário fofo, não dá para evitar a parada obrigatória, algum boteco sórdido, onde, ao final da noite, muitos guerreiros tentam afogar as mágoas com martelinhos de pinga com mentruz, ou, se o sujeito ainda dispuser de alguma força, no corpo de alguma das certinhas do Lalau, verdadeiro bilhete de loteria premiado (aquele mesmo que tantas vezes ficou para trás, acenando promessas).

Também é possível ler alguma coisa do Luis Fernando Veríssimo, prato cheio para quem gosta de humor pasteurizado, revestido com o verniz intelectual pequeno-burguês, típico de quem - na infância - sempre teve dinheiro para completar o álbum de figurinhas. Pelo mesmo caminho segue um escritor de qualidade, apesar de chatinho: Rubem Braga. Esbanjando uma lírica que sempre defendeu que o Rio de Janeiro é o umbigo do mundo, o ilustre cronista definitivamente desconhecia o que significa morar em palafita, andar de pés descalços por não ter dinheiro para comprar chinelo ou as delícias de roubar manga (como fez tantas vezes o Carlos Heitor Cony, que, guardadas as devidas proporções, é vinho de outra pipa, safra nobre, item de colecionador).

Há outros cronistas. Claro que há. Um punhado de humoristas, um caminhão de trágicos. Além dos “mais ou menos” – desses há milhares, bilhões. É cronista que não acaba mais, Deus nos acuda! De qualquer maneira, uma seleção de craques poderia ser escalada assim: Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Paulo Mendes Campos, Clarice Lispector, José Carlos de Oliveira, Roberto Drummond, Nelson Rodrigues, Lourenço Diaféria, João Ubaldo Ribeiro, Raquel de Queiroz, Millor Fernandes. No banco de reservas: Raul Drewnick, Maria Rita Kehl, Zuenir Ventura, Mário Prata, Marcelo Rubens Paiva, Martha Medeiros e Danuza Leão, entre tantos outros.

Por essas e outras, muitas outras, só nos resta lembrar Fernando Sabino, que, em momento ternurinha, parodiou um verso de Manuel Bandeira, e escreveu que queria que as suas crônicas fossem puras como um sorriso. Nunca me pareceu que estivesse pedindo algum absurdo.

Nos bons tempos do Pasquim, Ivan Lessa e Jaguar repartiam alegria, uísque e um pouco de inteligência. Enquanto isso, a mediocridade pastava, ou melhor, pasta em berço esplêndido.



Postado por Raul Arruda Filho - http://raulealiteratura.blogspot.com/