A culpa não é sua. Erga a sua cabeça. Engula esse choro.
Eu permiti que você estrangulasse a minha dignidade e afogasse no vaso sanitário todo o meu orgulho que, convenhamos, nunca foi tão grande assim. Isso, não chore. Olhe para mim. Não precisa ficar envergonhada. Eu acho que no fundo da minha alma eu até tenho apreço por essas humilhações que você faz questão de colocar em meu pescoço, como se fossem uma medalha de um ouro forjado nas chamas de uma piedade patológica. É... eu sei que a culpa não é sua. Nunca foi. Eu gosto quando você joga uma pedra na vidraça da minha vaidade, fazendo dela um punhado de fragmentos de lágrimas que furam os meus pés e que me fazem ir correndo ao hospital. Cheguei ao ponto de ter que tomar pontos... na pele, nos ossos. Nossos pedaços de história todos esparramados no chão, pintados de vermelho. Lâminas cegas extraídas da negação de uma realidade humilhante e que fazem sangrar a minha fonte de vergonha que secou há tempos. Pelas suas mãos. Eu não posso ir contra a sua natureza. Você levita e distribui as dores mais agudas em meu corpo. Massageia a minha pele com óleos de acusações injustas e de lamentos compulsivos. Os seus rodopios me fazem engolir os meus gemidos e sufocar os meus pedidos de socorro. A sua rejeição é o sol que realiza a minha fotossíntese de absurdos. Eu sei que pareço louco, mas o que esperar de você senão aquilo que você distribuiu gratuitamente no decorrer de todos esses anos? Isso, assim está melhor. Sem choro.
- O que você vai fazer?
- Eu vou embora.
- Vai não. Fica comigo. O que eu vou fazer sem você?
- Eu não sei. As minhas malas estão ali, prontas.
- Faz isso comigo, não. Fica aqui. É a nossa casa.
Casa? É engraçado ouvir você falar assim do cenário das minhas humilhações mais terríveis. Acha que eu consigo ficar aqui dentro e não lembrar dos seus gritos? Das vezes que eu não realizei os seus pedidos e você jogava água em mim. Não satisfeita, arremessava até o copo. Acha que foi fácil ter a minha autoestima sendo esmagada pelo salto do seu sapato como se fosse uma formiga? E sempre quando eu implorava "para", aí é que você aumentava o som de todos os aparelhos, chamava todos os meus nervos e os empurrava do penhasco rumo ao chão... Ainda bem que eu sempre trazia um pouco de calma dentro dos bolsos, senão faria merda.
- Eu prometo que se você ficar eu mudo.
AGORA A CULPA É MINHA!
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