Vinícius de Moraes I - Entrevista conduzida por Clarice Lispector, publicada na revista Manchete e republicada em seu livro: Entrevistas. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
* * *
- Vinícius, acho que vamos conversar sobre mulheres, poesia e música. Sobre mulheres porque corre a fama de que você é m grande amante. Sobre poesia porque você é um dos nossos grandes poetas. Sobre música porque você é o nosso menestrel. Vinicius, você amou realmente alguém na vida? Telefonei para uma das mulheres que você casou, e ela disse que você ama tudo, a tudo você se dá inteiro: a crianças, a mulheres, a amizades. Então me veio a idéia de que você ama o amor, e nele inclui as mulheres.
Que eu amo o amor é verdade. Mas por esse amor eu compreendo a soma de todos ao amores, ou seja, o amor de homem para mulher, de mulher para homem, o amor de mulher por mulher, o amor de homem para homem e o amor de ser humano pela comunidade de seus semelhantes. Eu amo esse amor, mas isso não quer dizer que eu não tenha amado as mulheres que tive. Tenho a impressão que, àquela que amei realmente, me dei todo.
- Acredito, Vinícius. Acredito mesmo. Embora eu também acredite que quando um homem e uma mulher se encontram num amor verdadeiro, a união é sempre renovada, pouco importam as brigas e os desentendimentos: duas pessoas nunca são permanentemente iguais e isso pode criar no mesmo par novos amores.
É claro, mas eu ainda acho que o amor que constrói para a eternidade é o amor paixão, o mais precário, o mais perigoso, certamente o mais doloroso. Esse amor é o único que tem a dimensão do infinito.
- Você já amou desse modo?
Eu só tenho amado desse modo.
- Mas você acaba um caso porque encontra outra mulher, ou porque se cansa da primeira?
Na minha vida tem sido como se uma mulher me depositasse nos braços de outra. Isso talvez porque esse amor paixão pela sua própria intensidade não tem condições de sobreviver. Isso acho que está expresso com felicidade no dístico do meu soneto Fidelidade: que não seja imortal posto que é chama / mas que seja infinito enquanto dure”.
- Você sabe que você é um ídolo para a juventude? Será que agora que apareceu o Chico, as mocinhas trocaram de ídolo, as mocinhas e os mocinhos?
Acho que é diferente. A juventude procura em mim o pai amigo, que viveu e que tem uma experiência a transmitir. Chico não. É ídolo mesmo, trata-se de idolatria.
- Você suporta ser ídolo? Eu não suportaria.
Às vezes fico mal humorado. Mas uma dessas moças explicou: é que você, Vinícius, vive nas estantes de nossos livros, nas canções que todo mundo canta, na televisão. Você vive conosco, em nossa casa.
- Qual é a artista de cinema que você amaria?
Marilyn Monroe. Foi um dos seres mais lindos que já nasceram. Se só existisse ela, já justificaria a existência dos Estados Unidos. Eu casaria com e certamente não daria certo porque é difícil amar uma mulher tão célebre. Só sou ciumento fisicamente, é o ciúme de bicho, não tem outro.
- Fale-me de sua música.
Não falo de mim como músico, mas como poeta. Não separo a poesia que está nos livros da que está nas canções.
- Vinícius, você já se sentiu sozinho na vida? Já sentiu algum desamparo?
Acho que sou um homem bastante sozinho. Ou pelo menos eu tenho um sentimento muito agudo de solidão.
- Isso explicaria o fato de você amar tanto, Vinícius.
O fato de querer me comunicar tanto.
- Você sabe que admiro muito seus poemas, e, mais do que gostar, eu os amo. O que é a poesia para você?
Não sei, eu nunca escrevo poemas abstratos, talvez seja o modo de tornar a realidade mágica ao meus próprios olhos. De envolvê-la com esse tecido que dá uma dimensão mais profundo e consequentemente mais bela.
- Reflita um pouco e me diga qual é a coisa mais importante do mundo, Vinícius.
Para mim é a mulher, certamente.
- Você quer falar sobre sua música? Estou escutando.
Dizem, na minha família, que eu cantei antes de falar. E havia uma cançãozinha que eu repetia e que tinha um leve tema de sons. Fui criado no mundo da música, minha mãe e minha avó tocavam piano, eu me lembro de como me machucavam aquelas valsas antigas. Meu pai também tocava violão, cresci ouvindo música. Depois a poesia fez o resto.
Fizemos um pausa. Ele continuou:
Tenho tanta ternura pela sua mão queimada...
(Emocionei-me e entendi que este homem envolve uma mulher de carinho). Vinícius disse, tomando um gole de uísque:
É curioso, a alegria não é um sentimento nem uma atmosfera de vida nada criativa. Eu só sei criar na dor e na tristeza, nem mesmo as coisas que resultam sejam alegres. Não me considero uma pessoa negativa, quer dizer, eu não deprimo o ser humano. É por isso que acho que estou vivendo num movimento de equilíbrio infecundo do qual estou tentando me libertar. O paradigma máximo para mim seria: a calma no sei da paixão. Mas realmente não sei se é um ideal humanamente atingível.
- Como e que você se deu dentro da vida diplomática, você que é o antiformal por excelência?
Acontece que detesto tudo o que oprime o homem, inclusive a gravata. Ora, é notório que o diplomata é um homem que usa gravata. Dentro da diplomacia fiz bons amigos até hoje. Depois houve outro fato: as raízes e o sangue falaram mais alto. Acho muito difícil um homem que não vota ao seu quintal, para chegar ou pelo menos aproximar-se do conhecimento de si mesmo.
- Como pessoa, Vinícius, o que é que desejaria alcançar?
Eu desejaria alcançar outra coisa. Isso de calma no seio da paixão. Mas desejaria alcançar uma tal capacidade de amar que me pudesse fazer útil aos meus semelhantes.
- Quero lhe pedir uma favor: faça um poema agora mesmo. Tenho certeza de que não será banal. Se você quiser, Menestrel, fale o seu poema.
Meu poema é em duas linhas: você escreve uma palavra em cima e a outra embaixo porque é um verso. É assim:
Clarice
Lispector
Acho lido o teu nome, Clarice.
- Você poderia dizer quais as maiores emoções que já teve. Eu, por exemplo, tive tantas e tantas, boas e péssimas, que não ousaria falar delas.
Minhas maiores emoções foram ligadas ao amor. O nascimento de filhos, as primeiras posses e os últimos adeuses. Mesmo tendo duas experiências de quase morte – desastre de avião e de carro – mesmo essa experiência de quase morte nem de longe se aproximou dessas emoções de que te falei.
- Você se sente feliz? Essa, Vinícius, é uma pergunta idiota, mas que eu gostaria que você respondesse.
Se a felicidade existe, eu só sou feliz enquanto me queimo e quando a pessoa se queima não é feliz. A própria felicidade é dolorosa.
Meditamos um pouco, conversamos mais ainda, Vinícius saiu. Então telefonei para uma das esposas de Vinícius.
- Como é que você se sente casada com Vinícius?
Ela respondeu com aquela voz que é um murmúrio de pássaro:
“Muito bem. Ele me dá muito. E mais importante do que isso, ele ajuda a viver, a conhecer a vida, a gostar das pessoas”.
Depois conversei com uma mocinha inteligente:
“A música de Vinícius", disse ela, “fala muito de amor e a gente se identifica sempre com ela”
- Você teria um “caso” com ele?
Não porque apesar de achar o Vinícius amorável, eu amo um outro homem. E Vinícius me revela ainda mais que eu amo aquele homem. A música dele faz a gente gostar ainda mais do amor. E de “repente”, não mais que de repente”, ele se transforma em outro: e é o nosso poetinha como o chamamos.
Eis pois alguns segredos de uma figura humana grande e que vive a todo risco.
Porque há grandeza em Vinícius de Moraes.
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