terça-feira, 5 de junho de 2012

A Puta Necessitada - AssiZ de Andrade



Relaxou as pernas, aliviada. E voltou a ser tomada pela já conhecida ânsia de vômito. Aquele homem, em particular, não lhe descia bem nas entranhas, nos olhares, nem no estômago. Como numa convulsão inconsciente, eram seus avessos que gritavam toda vez que estava debaixo dele. Quando menos queria sorrir, tinha de gargalhar cinicamente, para não deixar que suas piadas rasas perdessem o propósito. Quando mais precisava descansar, tinha de passar a noite inteira trepando com o desgraçado, sem ganhar um tostão por isso. E o prazer nem de longe compensava o prejuízo dos instantes de sonho ou pesadelos perdidos em nome do sagrado matrimônio; talvez garantisse a satisfação, isso sim, de ter um casamento, uma casa e uma família, mesmo sendo objeto sexual para consumo alheio – uma prostituta de carteirinha e local fixo de trabalho.


Puta. Inicialmente por opção, depois por necessidade – pois já não conseguia se agüentar inutilmente, sem ser devassada fisicamente por homens que sequer sabiam seu verdadeiro nome. Como Melanie, sentia-se alguém melhor justificada – como Laura, era como se o mundo não a compreendesse, da mesma forma que era incapaz de ver qualquer sentido no que se passava ao seu redor. Era na interseção entre as duas personagens que encontrava sua maior distração, e seu motivo de permanência nos delírios e na realidade.


Mas do que se acostumar em ser usada, ficou viciada no vazio que, sem saber porque, lhe tomava de acesso e a tornava tranqüila, equilibrada e ausente do mundo real a cada pós-coito, bem ou mal consumado. Talvez fosse a sensação de dever cumprido, a certeza de uma nova comissão garantida ou até mesmo o fim de mais um momento de completa submissão. Era incapaz de definir o que motivava ou construía aquela estranha e rara satisfação misturada com a ausência de querer. E naquele trecho até então desconhecido de dentro de si, encontrou um lar, um colo e um esconderijo. Por fim, já não vivia sem penetrar o oco de si diariamente, como se dessa forma administrasse uma dosagem de droga intensa e secreta, que somente ela conhecia.


Disposta a voltar a estar sob o efeito da substância produzida pelo próprio corpo em comunhão com o contexto martirizado, esperou que o marido adormecesse para sair, ávida por uma nova visita dos outros às próprias entranhas e de si mesma às próprias profundezas. Quando ouviu o primeiro ronco, prontamente levantou-se da cama.Ruminando a possibilidade de um novo mergulho íntimo, vestiu sua roupa mais vulgar e espalhafatosa e foi para a frente do espelho: maquiou o rosto com lápis preto, batom vermelho, sombra prateada e rush cor de rosa. O figurino de uma íntima farsa, criada a partir de obrigações óbvias. Tudo em nome de uma busca sem fim por um propósito palpável em um reduto de ilusão, que encontrou o num trecho escondido dentro de si, e fora do alcance da realidade.





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