quarta-feira, 6 de junho de 2012




Outro dia eu fui a um restaurante, resolvi impressionar e pedi um vinho de R$ 84,00. Achei ele muito bom, delicioso leve, encorpado, caiu bem demais, sofisticadíssimo, achei ele o máximo. Também por esse preço! Valeu. O ambiente gostoso. O papo agradável. O coração tranqüilo. A cabeça tranquila. 
A mente tranquila, a conversa caiu por um instantinho no vazio, deu aquele silêncio, fiquei sem saber o que fazer com as mãos, resolvi folhear. A carta de vinho. Quem mandou. Lá estava ela. Logo a primeira da lista. Uma garrafa. E seu respectivo preço. R$ 37.000,00. Glup! Meu Deus, como será esse vinho de 37.000 reais que abre a carta. Eu sei, todo mundo sabe, que pagar isso por um vinho é um absurdo, tanta gente precisando, passando fome, blablablablablabla, etcs e tal, mas presta atenção que não é disso que se trata. Se eu to achando o de R$ 84 maravilhoso a que distancia eu ando desse de 37.000? Quanto será que eu tenho ainda que galgar para perceber que esse que eu to achando o máximo é um lixo? E que gosto terá? Eu preciso saber. Que gosto terá? Que paladar sofisticado esse que existe e eu nunca poderei experimentar. Vai ver que é esse o vinho que coloca o homem em estado de Dionísio, que eleva o homem a condição de semi deus, e não esses sangues de boi que eu ando tomando e tentando que me leve as alturas e me frustrando e me enchendo de dores físicas e morais ao fim de cada nova tentativa. E não me venham com essa de que o vinho não vale isso, que isso é besteira, que a disparidade entre 84 e 37.000 é muito grande para que não exista realmente a diferença. Quem paga por alguma coisa que não vale é a classe media, rico só paga se vale, e por isso é que ele é rico. Fiquei tonto. O sujeito que pediu esse vinho colocou ele em cima da mesa, me contou o garçom, e ficou olhando, olhando para ele, olhando a noite inteira. Depois o levou para casa, me contou o manobrista que abriu a porta do carro para o vinho que foi recostado e com cinto de segurança no banco do carona. A partir daí não se teve mais noticias sobre seu paradeiro, mas presume-se que ainda esteja por lá na estante de troféus ou mesmo deitado num lado da cama controle na mão tomando champagne semi encoberto por um edredon. Ah, Meu Deus, o que que eu faço? Será que nunca saberei? Que eu não tenho e acho que nunca terei trinta e sete mil reais para dar num vinho. Me deram uma idéia. Pedir aquele moço que comprou que nos narre a experiência. Formar uma turma e nos sentar em semi circulo e procurar desesperadamente saborear cada palavra - repleta de sentido gustativo - que ele proferir. Mas isso é Teatro. E eu não quero Teatro, eu quero é vida. A coisa em si. A experiência da coisa em si. Não adianta. Eu não vou conseguir. Não tem como. Dane-se. Eu não queria mesmo. Eu nem gosto de vinho. Me da azia. Dor de cabeça. Sono. Descobri. Hic! Descobri como tomar esse vinho, experimentar seu aroma, degustar seus perfumes. Vou reunir 10 pessoas que pagarão 3.700 reais para tomar uma taça. Pronto. Ou não será melhor 100 pessoas que pagarão 370 e tomarão um gole? Já sei. Vou começar uma campanha para angariar 1.000 pessoas para pagar R$ 37 e tomar uma gota que será distribuída por adegas especializadas num conta gotas devidamente esterilizado e preparado para receber o liquido, e então eu saberei. E passarei um ano sem colocar nada na boca para não perder o gosto. E não salivarei nunca mais. E acompanharei, repetindo silenciosamente o mantra, o percurso do liquido pelo meu corpo. Oh, gota que deslizante me fez poeta. Oh, gota amada, que por mim passou; Oh, gota amada, que passou por mim e evaporou; Oh, gota amada, que por mim passou, evaporou, e deixou saudade.

 Eduardo Wotzik



Nenhum comentário:

Postar um comentário