quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Crônica: O Sono Perfeito.

Noite: término da jornada de mais um dia. Cansaço: fim de suas energias. Sono: tudo o que Fábio menos suporta sentir.

Pois tal sensação causa nele uma espécie de perturbação. Uma tensão latente que o faz ver o ato de dormir como um ensaio para a morte, praticado pelo corpo com a pretensão de confundir o instinto de sobrevivência no pressentimento do momento derradeiro da vida. Sendo que, em Fábio, o tiro saiu pela culatra e o sono, ao invés de anestesiar, hiperestímulou sua intuição, que passou a interpretar cada adormecer como fatal.

Por mais que seu corpo goste e necessite do descanso, ele não consegue atravessar o campo minado que seu transtorno criou entre o primeiro bocejar e um sono profundo sem ser tomado pela vontade de abreviar tamanha ansiedade recorrendo à morte definitiva. Por três vezes tentara contra a própria vida.

E na ânsia por fugir desses acessos, Fábio acaba sempre recorrendo à insônia forçada. Fica acordado pelo maior número de dias que pode suportar; tomando café, energéticos, praticando exercícios físicos ou consumindo a droga estimulante que está mais próxima quando precisa.

Determinado, ele resiste nessa sobrevivência assistida; tentando conservar a sanidade enquanto, num só ato, se mantém preservado e exposto à própria fraqueza. Até que, no limite entre a miragem e o fato, seu amor próprio entra em cena para ajudá-lo a perceber que o que essa atitude tem de auto justificável, tem também de autodestrutiva, e dessa forma concluir que se quer mesmo evitar a morte assim como evita estar diante de sua projeção, precisa dormir. Mas para fazer isso sem sucumbir às armadilhas da perturbação, tem de tomar uma dose de sonífero ou calmante forte o suficiente para fazê-lo adormecer sem dar tempo de sua consciência pressentir o sono.

E assim, decidido a recorrer novamente àquela contraditória salvação, Fábio entrou em casa. Eram onze da noite, há meia hora terminara sua vigésima interpretação de Orfeu. Estava cansado, fazia dois dias que não dormia e, antes que o sono iniciasse seu conhecido e insuportável ranger, tratou de tomar uma xícara de café forte. Não seria o suficiente para fazê-lo atravessar mais uma madrugada acordado, bem sabia; mas era isso mesmo o que buscava: um efeito instantâneo e breve.

Quando sentiu sua mente reagir à cafeína, aproveitou a onda de disposição que o alcançou e tratou de acomodá-la ao lado da sensação de dever cumprido proporcionado por sua ultima apresentação; juntou à intensa certeza de que era um homem realizado – havia atingido seus principais objetivos – e tomado por uma agradável e serena plenitude, foi até a gaveta de seu criado mudo, a abriu e de lá tirou um frasco de Prometazina, engoliu dois comprimidos e, sem deixar que o bem estar lhe escapasse, foi até a estante de livros, pegou “Dom Casmurro” e pôs-se a ler o trecho que mais gostava de sua obra preferida.

Cindo minutos depois adormeceu. Pronto para despertar. Talvez em mais um dia de sua vida; quiçá na eternidade de sua morte.


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