domingo, 28 de julho de 2013


- Boa noite, senhor Jackson... tudo bem?
- Boa noite, doutor. As coisas estão bem, mas tem hora que tudo desanda.
- Hummm.... sua mão está gelada. Tem problemas de pressão?
- Não senhor.
- Deite-se aqui. Não... não precisa tirar os sapatos. Fique bem à vontade.
- Sim senhor.
- Eu vejo aqui no seu prontuário... ansiedade, transtornos obsessivos, paranoia, surtos e uma possível tendência depressiva. Remédios?
- Livros... muitos livros.
- Como foi a última semana?
- A minha semana aconteceu ontem.
- Senhor Jackson, a maioria dos meus pacientes me procura em busca de uma superação, geralmente por causa de problemas amorosos.
- Sim. Estou aqui por essa razão também.
- Quer falar sobre isso? Só peço que não me omita os detalhes, pois eles são a chave do tratamento.
- Deixa comigo, doutor... sou o rei dos detalhes.
- Doutor, eu não acredito muito nas coisas que o senhor falou que eu tenho e que estão escritas aí nesses papeis. Sei ainda que eu vou contar a minha história e nada do que o senhor me disser vai afetar o que eu penso ou o que eu sinto. Então vamos lá...

Eu acordo no meio da noite sentindo cheiros doces por toda a casa. Fecho os meus olhos e vejo um vulto feminino de costas, com os cabelos presos e com a voz suave como se fosse uma melodia tocada pelas cordas mais finais de um violino antigo. Abro os meus olhos e a imagem desaparece, mas a voz continua ecoando em minha mente. Mudo a minha posição na cama e ouço sussurros em meus ouvidos que dizem "desassossego...". O tom e a maneira que essa voz entra em minha cabeça me causam todos os tipos de ereção que existem e até mesmo umas que a anatomia contemporânea desconhece. É uma sensação tão real e fascinante que eu até sinto a ponta de sua língua quente dentro da minha orelha fria. As unhas grandes ficam encaracolando os pelos do meu peito e eu vejo, com esses olhos cansados e insones, que o seu pé branco e pequeno roça em minha perna. Eu faço um esforço danado para ficar quieto e em silêncio, mas acabo transformando os meus sussurros tímidos em gritos graves e escandalosos... em minutos eu perco o controle que eu achava que tinha e sinto que há algo que parece querer sair de dentro de mim. Os meus sentidos estão virados ao avesso... minha sensibilidade rodopia e cantarola arrepios quentes. Essa mulher, uma sucubus branca e adorável, tem um sorriso de lado que faz com que o meu coração conheça palpitações que não existem e que fazem do meu peito uma caixa repleta de prazeres fatiados e cortados em cubinhos. Ela sabe o poder que tem sobre mim... repete o mantra litúrgico dentro da minha boca "desassossego"... e eu capto todos os movimentos labiais dela, desenhando com a minha língua os contornos dos sons da letra S que deixam escapulir de sua boca abismal gotas doces de uma saliva mágica que eu bebo sem pensar duas vezes. Eu nunca penso duas vezes... esse é um dos meus problemas.
Ela agarra a minha ereção com força... olha dentro dos meus olhos. Os seus dedos são delicados e a palma de sua mão é quente. O seu pulso está azulado... deve ser por causa dos movimentos verticais. Vertigens... O castanho do meu olhar sente o poder indizível do castanho do seu. Respiração ofegante... hino dos asmáticos. Sagração dos que não respiram pelo nariz. Nem pela boca. E que desenham no ar as impotências de quem pode morrer nos braços de uma asfixia bastarda. Pontas dos meus dedos dormentes e geladas. Os meus ouvidos parecem não captar os sons silenciosos de uma madrugada escandalosa e devassa. Sinto um calor no local onde ela estava com a mão. Quente. Muito quente. Pontas que esfregam a sensibilidade de uma pele que estava escondida... elas parecem com dentes e uma espécie de serpente incandescente que parece um demônio feito de veludo. Sou engolido com todos os exageros e absurdos causados por um ser que não é nada fora dos limites da minha criação insana. Fecho os meus olhos até machucar. Aperto os meus dentes e desenvolvo em mim o mais crônico dos bruxismos. Desassossegos que espantam e traumatizam uma calma que quer pular do vigésimo andar do subsolo das minhas alucinações mais desesperadas. Tem como? eu sei lá, eu lá sei...
A volúpia segura a minha cabeça e fala baixinho em meus ouvidos... parece uma anestesista que consola o paciente enquanto a cirurgiã tece teias de sensações mirabolantes nas tripas expostas de um paciente impaciente e sedento por mais anestesia... a sensação de não sentir causa vício. O vício é besta... é a manifestação da besta. Besteira tosca que dá euforia.
Aperto com força os lençóis, digo palavras sem vogais e crio um altar para as minhas consoantes mudas. Abro os meus olhos e percebo que a mulher coloca uma parte de seu cabelo para trás de sua orelha. Isso é uma coisa que pede mais anestesia. Doutora, esvazie a ampola toda em minha coluna e fodam-se os sinais vitais. Quero cama, quero coma. Eu como sempre aliso os rostos das sensações mais loucas e toco nos seios delas só para atentar.
Fecho os olhos... uma vez mais.
Sinto... todas as vezes mais. E mais. E mais. Mais...
O cheiro doce está no ar e a fonte do aroma gruda o seu peito no meu. Passa o seu nariz nas regiões mais sensíveis do meu pescoço. Olha em meus olhos, sorrisinho de lado, cabelo para trás da orelha. A minha sensibilidade dança com o meu equilíbrio e fazem sexo selvagem dentro do carro do meu bom senso.
"Desassossego... Desassossego..."
Eu desassossego ainda mais e percebo que o meu sossego e a minha paz estão brincando de roleta russa, mas todas as armas estão carregas e a regra pede que os dois apontem e atirem ao mesmo tempo.
Na loucura dos meus olhos sempre muito fechados, ela se levanta. Ordena que eu continue com os olhos fechados. Eu obedeço e agradeço a Dante por narrar ao que acontece nas valas do sétimo círculo do inferno. Eu vou pra lá feliz um dia e nem ligo. Quero curtir o agora... bailar no meu próprio gozo e tocar a pele do que me consome...
Está demorando demais.
Abro os meus olhos rapidamente.
Estou só como antes e o cheiro doce sumiu. Estou do mesmo jeito que eu estava antes de acordar. 

- E você acha que isso foi real?
- Depende do que o senhor chama de realidade.
- É... depende mesmo. O que é o desassossego para o senhor e por que ela dizia isso o tempo todo?
- Doutor, vamos direto ao assunto? balance aquele pêndulo logo... quero ser hipnotizado e tentar sentir tudo aquilo de novo.

By Jackson Pedro

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