Mestre, está vendo esse lixo? Eu perdi todos os meus ossos neles. As romãs de Perséfone apodreceram. O sublime treme... Troquei todas as flores em minhas veias por vinho barato. Promíscuo até alma, deitei com poetisas de dia e persegui a Medusa de noite tentando recuperar um pouco da elegância que chutei pra dentro das costelas e agora não alcanço mais. Tá difícil alcançar... Deve estar em algum lugar perto do meu coração mas não mexo muito nessa região porque enterrei o amor lá. É, matei-o a socos e pontapés. Coitadinho do amor!!! Não merecia, mas... andei treinando maldades como uma terrorista loira que trai, a um só tempo, a pátria, os pátios de recreio e os próprios passos. A bichinha é boa naquilo que faz...
Não satisfeito, lambi os restos fermentados na boca abismal de Afrodite pra alimentar os meus instintos mais primitivos e acabei devorado. De tanto procurar as alturas não diferencio mais abismos e buracos no asfalto, jogo-me nos dois e me arrebento sempre. Sem lições que façam valer a queda. Eu já devia estar acostumado, mas carrego uma teimosia danada comigo e enfeito a minha pirraça com fitas vermelhas só para que ela pareça mulherzinha.
Vulnerável, blasfemei como um demônio machucado, Mestre. Aquela fé imensa que eu tinha curvava feito bambu nas tempestades e por muito pouco não se partiu. Briguei muito com Deus nesse tempo!!! Estava sujo demais pra exaltá-lo. E precisava, sobretudo, de um culpado que não fugisse, amedrontado. Culpei-O por quase tudo, até esquecer as minhas próprias culpas, que não são poucas. Placebos, eu sei... Sabendo, quis morrer esmagado pela pedra do Sísifo de Albert Camus e falar asneiras em grande estilo, em espanhol, como Cortázar. Eu quis e fiz! Só de sacanagem! Mas não morri, ainda bem... nem aprendi espanhol, que pena. Olhei para o lado e vi duas letras H esquecidas no chão. Emendei uma na outra e bolei uma escada que me levou ao sótão nem tão secreto das minhas solidões acumuladas. Depósito de tranqueiras inúteis que só me fazem mal. Bem no meio do sótão vi uma mulher toda coberta por rótulos. Cheirando a bebida barata e cigarro de quinta categoria ela se apresentou a mim: “Sou Hilda Hilst, a velhinha puttana”. Fui de mansinho, então, e retirei um dos rótulos. Vi duas tranças tortas e ralas como a minha barba, nos tempos de adolescência, e fui retirando outros rótulos recheados das mais diversas imundices. Por baixo deles havia uma garotinha que só queria encontrar em Deus uma forma palpável de perdão para os estragos da sua alma lagartixa. Abracei-a com tanta força que acabei injetando-a em altas doses, em mim, direto na jugular, até esbugalhar os olhos e espumar os cantos da boca, com charme e poesia. Overdose em todos os sentidos. Nas intensas espumas da convulsão, nasceu-me um mar que brinca embaixo da minha língua dormente e povoa minhas lágrimas de corais e peixes exóticos. Do ouriço mais raro ao tubarão mais safado, comedor das mais descaradas porcarias. Apaixonei, Mestre. Não saberia dizer exatamente se revivi uma espécie esculhambada de narcisismo ou se vivo, com ela, um platônico e intenso amor absurdo, sendo eu um quase quarentão e ela uma velha que se tornou mocinha uma vez mais. Eu ando, além de tudo, emburrecendo. Lolitas não me atraem, tá ouvindo, Nabokov?? Então para de soprar asneiras em minha mente, seu russo chato. Com todas as minhas negações, passo os dias ao lado dela, fugindo da loucura disfarçada de esperança. De mãos dadas, dedos entrelaçados, corremos em círculos, mas com uma absurda cumplicidade. Quando o corpo se cansa, a gente pára, joga um xadrez de frustrações e entre uma jogada e outra, inventamos cores. Já apelidamos o arco-íris todinho e é quase maravilhoso. Quase, Mestre... quase! Maravilhas picotadas em pedaços que mal podem ser tocados.
As noites têm sido longas e faz séculos que não sei o que é dormir. Se eu der mais um passo por aí vou esfarelar todas as minhas esferas, explodir a minha mente bolha. E é por isso que estou aqui, meu Mestre. Ridiculamente cíclico. Despindo-me. Lavando-me. Refazendo a barba desenhada e torta para deixar a minha boca limpa perante sua grandeza e reencontrar o pijama intacto que me leva de volta ao berço macio protegido pelos anjos escondidos em suas longas barbas de algodão. Deixe-me chamá-lo de Pai, só por hoje. Imerecidamente, é claro. Acolha-me em teu colo de palavras suaves e ensina-me de novo a falar de poesia sem ficar vermelho de vergonha. Conte-me uma estória qualquer na qual eu redescubra o amor que não constrange... Aquele que enche minhas veias de flores, você se lembra? Ressuscite-o em mim, Pai, pois é somente ele que enche os meus ossos de fé, só ele me faz as romãs de Perséfone ficarem belas novamente. Só ele faz o sublime parar de tremer e põe todos os meus átomos de joelhos... em absoluta admiração das auroras que desenham eternos infinitos em mim.
Deixe-me ser carregado pelo sono, essa morte piedosa que nos permite renascimentos venais. Com uma explosão de ousadia ou um desfilar moribundo de covardia, amanhã é outro dia.
...E eu vou, mas eu volto.
Jackson
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