quinta-feira, 12 de julho de 2012

SOBRE A AMIZADE - Marcus Tullius Cicero



O Autor “Marcus Tullius Cicero nasceu em 3 de janeiro, 106 A.C., e foi assassinado em 7 de dezembro, 43 A.C.. Sua vida coincidiu com o declínio e queda da República Romana, e ele foi um ator importante em muitos dos acontecimentos significativos de sua época (e seus escritos são hoje para nós uma fonte valiosa de informação sobre tais eventos). Ele foi, entre outras coisas, um orador, advogado, político e filósofo. O entendimento de seus escritos e a compreensão de sua filosofia exige que tenhamos isso em mente. Ele colocou a política acima do estudo filosófico; este valioso por si mesmo mas ainda mais valioso como meio para uma ação política mais efetiva. Os únicos períodos de sua vida em que escreveu trabalhos filosóficos foram os tempos em que foi forçadamente impedido de tomar parte na política.”

[Das razões que determinaram a Cícero escrever sobre a amizade.]


Quinto Múcio, o auguro, costumava falar sem cessar de seu sogro, C. Lucio e, em suas narrativas, fiéis e cheias de graça, não hesitava em lhe dar o nome de sábio. Desde que vesti a toga viril, fui dedicado, por meu pai, a Escévola, de modo que tanto quanto podia e me era permitido, não me distanciava jamais deste velho. E por isso, dissertações sábias, sentenças curtas e engenhosas, tudo recolhendo de sua boca, gravava-o em minha memória, e procurava enriquecer-me com a sua ciência. Após a sua morte, 
dediquei-me a Escévola, o pontífice, de quem não temo declarar que era o homem mais eminente da nossa cidade, por suas luzes e por sua justiça. Mas deste falarei depois. Voltemos ao áugure. Lembro-me, entre outras coisas, que assentado um certo dia, segundo o seu costume, em seu hemiciclo com alguns amigos, no número dos quais eu me encontrava, veio a discorrer sobre um acontecimento que então andava na boca de toda gente. Lembrai-vos, Ático, e mais pelo freqüente trato que mantínheis com P. Sulpício, que surpresa e que descontentamento explodiram em Roma quando este tribuno do povo, declarou ódio mortal a Q. Pompéio, então cônsul, com o qual ele tinha vivido até então na mais estreita e mais viva amizade. Este fato deu a Escévola ocasião de nos contar um entretenimento que Lélio teve sobre a amizade com ele e com seu outro genro, F. Fanio, filho de Marco, poucos dias antes da morte de Cipião, o Africano. Retive os pensamentos em minha memória, e os expus neste tratado, a meu modo. Fiz calar os personagens mesmos, para não entrecortar continuamente o discurso com estas palavras: eu disse e ele disse e para que se possa crer na presença dos interlocutores. Freqüentes vezes haveis-me premido, querido Atico, para escrever sobre a amizade e este tema me parece igualmente digno de atenção do público e da intimidade que reina entre nós. Decidi-me, pois, sem esforço, persuadido de que, cedendo às vossas instâncias, faria, ao mesmo tempo uma obra útil a muita gente. No Catão, o Antigo, que escrevi para vós e onde tratei da velhice, pus em cena o velho Catão, porque nenhum personagem me parecia mais próprio para falar desta idade do que aquele que tinha sido velho tanto tempo, e que, na mesma velhice, ilustrou-me mais do que qualquer outro. Assim, agora, a amizade de Lélio e de Cipião tendo sido, no dizer de nossos pais, mais que qualquer outra, digna de memória, pareceu-me conveniente pôr na boca de Lélio esta dissertação que Escévola recordava ter-lhe ouvido fazer. Este gênero de discurso, assim sustentado pela autoridade dos homens do passado e dos mais distintos, parece, não sei como, adquirir mais gravidade. Por isso, quando releio a minha obra, sou muitas vezes sustido na ilusão a tal ponto de crer que é Catão quem fala e não eu. Era então um velho que sobre a velhice escrevia a um outro velho: assim hoje, é um amigo muito dedicado que escreve sobre a amizade a seu amigo. No primeiro, é Catão quem fala, porque é o homem mais sábio e talvez mais velho do seu tempo. Agora, é Lélio o sábio (porque este é o seu sobrenome) e o amigo célebre, quem trata da amizade. Agora imaginai, por um instante, não pensar em mim, e crede ouvir o próprio Lélio. — C. Fanio e Q. Mucio Escévola vêm para a casa do seu avô após a morte do Africano: eles começam a palestra. Lélio lhes responde: todo o seu discurso refere-se à amizade. Lendo-o, vós vos reconhecereis nele.


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