Acordo com a alma machucada de tanto sonhar. Abro os meus olhos e vejo que eu estou no mesmo quarto que está no mesmo andar do mesmo prédio... no mesmo mundo. O tédio já se encontra sentado no chão, com as costas apoiadas em uma parede... suas pernas estão esticadas, uma sobre a outra e eu vejo que ele está molhando um pedaço de pão velho em uma xícara trincada de café. Os farelos caem lentamente e formam um desenho que eu juro ser um orgulho esmagando uma razão em algum quarto de um hotel cheio de ratazanas que tem os seus pelos sujos de óleo... não. Parece a imagem de uma insônia que luta contra um exército de soldados que usam farda preta. Não são fardas... Tarjas Pretas!
Passo longos minutos olhando ao redor do quarto... tento pescar algum peixe que estava no rio do meu sonhar. Em minha insanidade, os peixes são sábios e falam demais, mas não contam o que eu sonhei. As paredes brancas me fazem lembrar que eu vi, em meus sonhos, promessas que não foram cumpridas... eu tenho sorte com esse tipo de compromisso que só tem valor nos campos do interesse alheio. Promessas que dão às minhas expectativas marotas uma bola furada para que a brincadeira não ultrapasse os limites da cobrança. Eu me vejo em um jardim repleto de flores murchas... rosas de paixões que entram com as mão vazias à direita e saem com as mãos cheias à esquerda... cusparada rancorosa em meu rosto que foi desenhado com as cores da descrença... sombras que transformam minhas esperas em um sentimento de repulsa. Jardins de flores murchas...abelha com ferrão de escorpião. Beija flor que escarra ódio e rancor...
Jardineiro que se julga o dono do jardim se ferra e se escarra justamente por querer ser o dono daquilo que não se permite ter um proprietário.
O tédio está com muita fome... derrama café no chão e aponta, com o olhar, a direção dos instrumentos que podem amarrar os meus desassossegos nos trilhos do metrô. Ignoro e abro as janelas do meu quarto, me cubro com os lençóis brancos dos meus pesares e dou a mim mesmo responsabilidades que eu não tenho... recebo as punições do domingo e ele grita comigo. Engulo o gemido, olho o vazio e sinto os meus olhos marejarem. Todos os sentimentos nefastos estão no estado líquido dentro do meu olhar. Viuvez sem casamento... nascimento sem parto... culpa sem acusação... pena sem julgamento.
Jesus tinha um bando de idiotas que não saia de perto dele. Morreu lascado... sozinho. Sabia demais e amou demais... foi vítima de sua própria bondade. O Pai foi comprar cigarros e jogar uma partidinha de truco com o "coisa ruim". Só a Mãe foi até lá para dar uma olhadinha básica... o coitado suou sangue, chorou e distribuiu o seu perdão pelos quatro cantos daquelas cidades bíblicas sem graça que eu nem me lembro mais os nomes.
O abandono e o descaso são coisas que existem há muito tempo. Muito, muito tempo... A mãe não chora porque ajudou a matar o filho. O pai não socorre a filha porque deseja que ela morra à míngua... os filhos abandonam os pais porque estes não são sagrados.
Eu lembrei... sonhei com o abandono. No jardim de flores murchas tinha uma placa velha que dizia:
VIVA JUNTO. MORRA SOZINHO.
By Jackson Pedro
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