sábado, 22 de junho de 2013


Madrugada fria...


Encontro-me deitado e perco horas observando um ponto qualquer do teto como se ele me oferecesse algum tipo de encanto. O olhar fixo no vazio me faz mergulhar em mim mesmo e encarar, nos corredores secretos de minhas negações, paisagens sombrias que foram ornamentadas com o que há de mais vergonhoso e humilhante no meu mundo. Há ainda quadros que ilustram arrependimentos e frustrações secretas que nem eu mesmo ouso contemplar. Carrego em mim o que de melhor me deram e faço destas inspirações trágicas o meu desassossego constante.
A graça da vida me tirou um peso. O encanto da existência me trouxe uma leveza. O peso não suportou a ideia de que fora substituído. A graça e o encanto brigaram feio tendo o meu destino como cenário. Nas cinzas do conflito via-se o corpo inerte da graça e a carcaça do encanto totalmente sem vida. A desgraça surgiu vitoriosa e costurou em minhas costas um peso duas vezes mais pesado que o de outrora.
E a leveza? Ela é tão leve que o vento a levou para alguém que precisava mais do que eu. E assim eu vou... com as costas envergadas carregando o meu fardo que além de ser pesado pra caramba, ainda fala, briga, xinga, humilha, grita e joga cartas com a minha dignidade repleta de sondas.
Paro de olhar o ponto idiota no teto e desejo mergulhar na madrugada com todos os requintes de uma liberdade idealizada. Quero beber. Quero fumar. Tenho desejos de me jogar nos braços da prostituta mais barata que existe só para dizer que eu a amo.
Eu já disse isso para mulheres que estavam muito abaixo do status moral das profissionais do sexo... não ia me custar nada esse desabafo melodramático e urgente.
Vou fazer isso.
Tomo um banho rápido e sinto uma excitação cósmica. Canto alguma coisa sem sentido e visto uma roupa preta. Saio de casa devagarinho. Vou a um lugar de quinta categoria. De longe a música pode ser ouvida. Entro. Sinto os olhares de todos os frequentadores. Tenho vontades de mandar todos eles se foderem, mas são caras da pesada que se drogam como se estivessem comendo uma salada. Em pensamento eu os condeno e aperto o metafísico botão do foda-se. Um cara se aproxima:

- Tá afim de uma pedra aí, brother?
- Agora não, amigo... depois da "diversão" eu te procuro.
- Só...

Enfiar a tal pedra no cu ele não que, né? É cada uma... Mas enfim.
Vejo putas gargalhando e falando alto em todo o cabaré. Elas são até bonitas, mas eu quero a mais feia, a mais judiada e a que tem a aparência mais repugnante de todas. Digamos que hoje é a noite em que o que há de mais bizarro em mim quer conhecer o mundo.
Avisto uma mulher horrorosa saindo de um quarto. Pensei que só eu fosse maluco, mas vejo um cara barbudo, com cerca de uns duzentos quilos e uma cicatriz no rosto com ela. Esse homem tivera a sorte de levar a minha escolhida para a cama antes de mim... noto que a sua camisa está aberta e há colares de prata enfeitando o seu peito. Parecem que foram feitos um para o outro. É o encontro da desgraça macho com a desgraça fêmea. Bebo algo que me deixa tonto. A mulher está livre. Olho ao meu redor e vejo se não há ninguém conhecido. Não há. Olho para o relógio. Ela é muito feia. São três da manhã. Falta um dente em sua boca. Ajeito o óculos em meu rosto. A sua maquiagem é muito pesada. Eu vou... eu vou.
Um homem baixo abraça a minha presa e coloca as duas mãos em seu traseiro. Beija a sua boca como se ela fosse a última mulher do mundo. Ela se requebra e coloca a língua no espaço do dente que falta em sua boca. Adentram a alcova. Outras mulheres tentam me seduzir, mas eu estou imune às belas. Quero a horrorosa, a sem dente, a personificação da judiação... a desgraça fêmea.
Passo em frente ao quarto como quem não quer nada. Seguro o meu copo e ouço sons de agressão física vindo do quarto. Ela está apanhando. Alguém tem de fazer alguma coisa. Já não sei se o que penso é meu ou da bebida. Eu já nem sinto mais nada meu. Todo o meu sentir é refém do álcool. Meu celular vibra. É o peso... só pode ser. Notou que eu sai de fininho e a deixei dormindo.

"Querido Literatura Do Desassossego, a maior merda que eu fiz na minha vida foi ter ido embora e deixado você para trás. Eu não sei o que fazer sem você. A minha vida tornou-se um eterno sofrimento e a roda dos meus desassossegos gira sem parar. Estou na porta do seu prédio, dentro daquele carro preto que você conhece. Sei que você mora com o peso, mas por favor, desça até aqui e vamos resolver a nossa vida de uma vez por todas." Assinado: Leveza.

Sinto dentro de mim um turbilhão de emoções. O meu celular cai. Eu não ligo. O copo se espatifa no chão. A mulher está apanhando. Foda-se bem grandão pra ela. Tô indo embora resolver a minha vida. Cansei de apanhar do destino. Um travesti que trabalha como garçonete (?) sorri ironicamente e diz que eu terei de pagar a porra do copo. Paguei o valor que certamente daria para pagar cem copos daqueles. Foda-se. Vou embora. O coração sai pela boca. O trânsito está limpo. Estou bêbado. Dirijo com maestria. Obrigado Playstation, os seus simuladores de corrida me ensinaram alguma coisa.
Ela disse um carro preto...

Não há nenhum veículo parado na porta do prédio. Muito menos da cor preta. O único que eu vejo está distante e parece ter um casal dentro. Não pode ser a minha amada. Pego o celular e decido ligar para a leveza. Preciso abrir a mensagem e pegar o número da bendita. Vamos reler o texto...

"Querido Jackson Pedro, a maior merda que eu fiz na minha vida foi ter voltado pra você enquanto a sua amada leveza te deixava para trás. Eu não sei mais o que fazer com você. A minha vida continua um eterno sofrimento e a roda dos meus desassossegos continua girando como sempre girou. Estou na porta do prédio, achando que você está trepando dentro de um carro preto... tomara que não seja você. Sei que você ama a sua leveza, mas por favor, venha depressa e vamos para a nossa cama de uma vez por todas." Assinado: Peso. 


Maldita bebida!!!!




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