Olhar de longe. É assim que tem de ser!
Chegar perto é como encostar, descalço e com o corpo molhado, em uma cerca elétrica com uma voltagem astronômica. Há muita energia ao redor dos nossos corpos, entre os olhares e principalmente nas palavras que são ditas apenas dentro das fronteiras de nossa ausência. Eu gosto, mas machuca gostar. Eu poderia amar, mas posso ter a dignidade mutilada, assim como as doses pequeninas de um orgulho absurdo que me prende à ideia de uma proteção ilusória. Proteção contra o quê? - sendo eu a maior ameaça contra mim mesmo... Tudo machuca. Tudo dói. Dentro de mim existe um desfile de dores... por enquanto elas desfilam comportadas, mas em breve elas vão flutuar e cutucar as feridas que existem nas partes mais altas de meu ser. O sangue escorrerá como água. Eu rirei de mim mesmo. Eu sempre faço isso.
De longe... Silenciosamente de longe...
Escondo-me entre uma multidão de gente que ignora a minha existência. Olho para todas as pessoas ao redor. Há uma alegria alérgica nas pessoas. Uma satisfação tão mínima que exala cheiro de espuma de convulsão.
Lá está ela. Vestida de vermelho. Como sempre. O vento sopra em seus cabelos rubros. Vejo cada fio voltar à posição original quando o vento os deixa em paz. O sorriso ainda é o mesmo. Dentes tão brancos... parecem pedacinhos de nuvens em sua boca. Os lábios... ah, os seus lábios! Contornados discretamente com um fio vermelho, rastro de sangue vivo em sua boca. Sangue sugado de minhas veias velhas. Cansadas. Tensas. Repletas de um desgosto antigo. Lembranças de um passado que eu nem sei se realmente passou.
Eu, em uma espécie de êxtase, sinto que tudo em mim torna-se vermelho também. Principalmente o rosto. Com um misto de vergonha e descrença, sinto a minha temperatura subir. As linhas que desenham seu corpo são as mesmas, mas o fato daquele corpo não ser mais meu gera em mim desassossegos inéditos, fora de controle. Os batimentos cardíacos... estão rápidos demais. Sinto uma tontura estranha. As pessoas parecem andar em slow motion. Tudo gira em torno de um nada abstrato. Eu rodo em meu próprio eixo. Algo dentro de mim começa a subir, dos pés e chega à cabeça. Quer sair do meu corpo. Eu caio com os olhos arregalados.
Não vejo mais nada. Apenas um quadro negro. O quadro vai se agitando. Vozes embaralhadas formam palavras em uma espécie de língua esquecida. O português se forma lentamente. Vultos em minha frente. Muita gente ao redor. A calçada onde eu caí encontra-se vermelha, assim como a minha testa. Nem espero respirar direito e olho ao objeto de minha vigília. Não está mais lá.
"Ele precisa ir a um hospital", grita uma velha que só tem um olho. Levanto com dificuldades e saio correndo sem olhar pra trás.
Sem direção eu corro loucamente e caio num buraco fundo e escuro. O dia vira noite e a noite só me vira ao avesso dos avessos.
Um silêncio fúnebre. Um globo aconchegante. Um cheiro de mulher domina o local.
-Amor, você está bem?
-Hã...?
-Acho que você estava sonhando.
-Nossa! Minha cabeça está doendo muito. Mas ainda bem que foi só um sonho.
-Venha, deite-se aqui em meus braços. Tente dormir. Já passou.
-Sim. Tentarei...
Era ela, com os seus mínimos trajes de dormir. Vermelhos. Rubros. Escarlates. Encosto a minha cabeça sobre o seu peito, mas não durmo. Apenas imagino como seria a minha vida se eu tivesse que vê-la como no pesadelo que aqui foi descrito: de longe.
Apenas de longe.
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