Palavras à discrição
Perco as palavras da mão,
Que caem do pensamento.
Umas partem-se no chão,
Outras fogem-me no vento.
Não desespero, porém,
Porque mais outras virão.
Só quem não lê nunca tem
Palavras à discrição.
Umas são ninhos de penas,
Onde adormeço sonhando.
Em noites longas, serenas,
Partem comigo em bando.
Outras são nuvens de pó,
Sem formas, brilho ou cor.
Cercam-me, deixam-me só,
Estonteada de dor.
Voltam depois novamente,
Como quem pede perdão.
Saltam nos dentes da gente
Em alegre agitação.
Contam-me casos de amor,
Que só os livros conhecem.
Rio, morro de pavor,
Amo heróis que nunca esquecem.
Dão-me joias divinais
E vestidos de princesa.
Colhem sonhos em beirais,
Põem-me sonhos na mesa.
Com elas, eu corro mundo,
Atravesso a dor da vida.
A Terra fica sem fundo,
A chegada, sem partida.
Maria da Fonte
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