domingo, 20 de outubro de 2013

Ausência...- Vinícius de Moraes


Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces. 

Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto. 

No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida.

E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz. 

Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado. 

Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados. 

Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada. 

Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado. 

Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face. 

Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada. 

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite. 

Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa. 

Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço. 

E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. 

Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos. 

Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir. 

E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas. 

Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada. 

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