sábado, 10 de agosto de 2013



Escrevo compulsivamente para tentar esquecer o que me faz mal. Ando pelas ruas, de cabeça baixa, e tenho medo quando uma pessoa desconhecida me pergunta as horas. Joguei o meu relógio fora por causa desses incômodos e desde então eu não dou a mínima à passagem do tempo. As ruas... traficantes que me fornecem a tão desejada e cobiçada endorfina. Elas não me cobram nada, têm piedade de mim. Eu deixocom elas algumas solas de sapato velho como prova de gratidão... não é muita coisa, mas é tudo que eu tenho. Fico satisfeito e carrego comigo um bem estar que me deixa sozinho em menos de cinco longos minutos. Eu escrevo... tento diminuir o peso de viver transformando em letras os meus desassossegos mais profundos. Fecho os meus olhos e respiro com desespero... enquanto o ar invade os meus pulmões, eu vejo, nos telões que existem nas partes internas das minhas pálpebras, uma explosão de imagens que resumem trinta e sete anos em três segundos. Pingo umas gotinhas amargas dentro de um copo d'água e vou ao meu santuário secreto... Oro ao Deus todo poderoso Fernando Pessoa e faço promessas a São Camus... Acendo uma vela a Nossa Senhora Hilst e inicio o meu ritual de escrita. Apertos insuportáveis no peito... a ansiedade, a inquietação e cerca de duas mil negações querem sair e dominar uma parte de mim que pensa ser racional. Como se estivesse dentro do purgatório de mim mesmo, eu ouço mil vozes femininas... Encaro as minhas ausências com paixão e recebo a minha decadência de braços abertos. Carrego lembranças de coisas que nunca mais voltarão a ser... Sou ignorado pelas mulheres que dormiam comigo quando seus maridos viajavam. Saio com prostitutas doentes e adoro quando elas dizem que se não fosse pelo dinheiro jamais olhariam pra mim, pois não digo coisa com coisa. Dou a estas mulheres mais do que elas merecem e torno-me um poeta que compra o seu título de nobreza nos cabarés mais imundos e ainda ganha uma receita azul preenchida em duas vias pelo doutor cafetão. Quero esquecer que hoje é domingo, mas não abro mão de repetir, em voz alta, que amanhã é segunda-feira. Segunda... sempre melhor que a primeira e menos importante que a terceira. Rotatividade de sexo, a sagração dos prazeres sifilíticos, paixões gonorreicas, amores verdadeiros que vão sem jogar no chão limpo migalhas sujas de uma despedida qualquer. Eu escrevo... pego moscas que nadam na panela de feijão, com uma ternura silenciosa, e lavo as suas asinhas... levo todas elas à janela e deixo que voem, como um padre que permite o voo de uma ave branca e meiga...

De tudo o que eu já perdi na vida, sinto falta daquilo que eu mesmo joguei fora.
Saudades do meu relógio...


By Jackson Pedro

In:

Nenhum comentário:

Postar um comentário